Conta-me como foi… a música

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José Maria Gonçalves Pereira|13/01/2023

título

Silêncio aflito

autor

LUÍS TRINDADE

Editora (Edição)

Tinta da China (Março de 2022)

Cotação

14/20

Recensão

Em Silêncio aflito, o historiador Luís Trindade fornece um tratamento académico a uma associação bastante comum, esta que une as transformações da segunda metade do século passado e a sua efervescente banda sonora. De prever, por isso, um caminho já bastante trilhado, com pontos de passagem inevitáveis ​​até um destino certo. Assim foi, em larga medida.

Nestas quase quinhentas páginas (re)descobrimos um Portugal nacionalista e conservador ao som da música “ligeira”; burgueses e ocidentais dançando “ié-ié”; emancipado e esclarecido, cantando a “nova canção portuguesa”.

Por isso, é também de prever que esta “aflição” quebraria o “silêncio” com um solene “Grândola, Vila Morena”. Felizmente, o autor acerta aqui, como noutras passagens, em eventos, pessoas e canções para iconizar a sua narrativa. Nesta, o conturbado Encontro da Canção Portuguesa, no Coliseu dos Recreios, em Março de 74.

Porém, é de questionar se uma história da “sociedade portuguesa através da música popular” aflora o essencial ao acompanhar, até àquela noite, a plateia que “harmonizou a voz com a do cantor e, em uníssono, formou uma comunidade, criou um hino e desencadeou um movimento” (p.464). Por exemplo, se nos interessamos por comunidade, cantor e hino, talvez o fado e Amália não devessem ter sido tratados ortogonalmente à “grande narrativa” que o autor ensaia.

Haveria outra forma? Será possível dizer algo de fundamentalmente novo sobre a história deste tempo? Talvez. No entanto, a forma balizada com que Trindade estabelece alguns pontos de partida obriga a que, neste estudo, muitas observações porventura imbuídas de sentido acabem na berma como inconsequentes “contradições” (que o autor tem a franqueza de sinalizar).

Com efeito, um monolito chamado “sociedade salazarista” (p.88), na qual a opressão e imobilismo parecem ser fins em si mesmos, é um conveniente antagonista, omnipresente embora pouco definido para além do papel de António Ferro e de alguns cronistas conservadores.

Para colher outros sentidos ainda nos falta “desmilitarizar” o pensamento e discurso sobre o passado (já não tão) recente. Não seria razoável exigir que o autor desta pesquisa profissional e financiada pela Fundação para a Ciência e Tecnologia o fizesse espontânea e isoladamente.

O mérito de Silêncio aflito reside afinal na sólida pesquisa documental em que se baseia, reconstruindo este velho nexo com o auxílio quase exclusivo de imprensa da época, o que nos leva a dizer que o melhor deste livro está, quase sempre, entre duas aspas. Tanto assim que fechamos o volume com a clara impressão de que uma colecção completa d’ O Século Ilustrado e da revista Flama são essenciais para entender o passado recente português!

Entre recortes e fotografias gloriosamente empoeiradas, vamos reforçar ou ajustar a nossa intuição sobre esta época fascinante, com tempo para arrumar de vez a origem da rivalidade entre Simone de Oliveira e Madalena Iglésias. Finalmente.

Não podemos dizer de Silêncio aflito , como se diz dos bons livros de História, que se lê como um romance: para isso precisaríamos de uma verdadeira voz a narrá-lo. Mas podemos dizer que se lê como uma partitura, fiquedo a carga do intérprete extrair o melhor sentido dos símbolos ali inscritos.

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