Dona da Visão confessa: dívida ao Fisco é de 11,4 milhões de euros. E Medina em silêncio

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Pedro Almeida Vieira e Elisabete Tavares|08/08/2023

A directora da revista Visão adoraria mesmo que a investigação do PÁGINA UM sobre as contas da Trust in News fosse mesmo fantasiosa; só que não. O empresário Luís Delgado acabou por ter de admitir à Entidade Reguladora para a Comunicação Social que deve mesmo 11,4 milhões de euros à Autoridade Tributária e Aduaneira, acabando assim por dar um selo de rigor ao PÁGINA UM, que revelou, há duas semanas, uma situação financeira desesperante da Trust in News, que publica, além da Visão, mais 16 outros periódicos, entre os quais a Exame, a Caras, a Activa e o Jornal de Letras. Com um capital social de apenas 10 mil euros, a Trust in News já conta com um passivo de mais de 27 milhões de euros, dos quais 42% são calotes ao Estado, e detém activos de valor muito dúbio.


A Trust in News – a empresa unipessoal responsável por 17 títulos de imprensa, entre as quais a Visão, a Exame, a Caras e o Jornal de Letras – admitiu, finalmente, através do Portal da Transparência dos Media, que tem mesmo uma colossal dívida de 11,4 milhões de euros à Autoridade Tributária e Aduaneira.

Confirma-se assim a veracidade e rigor da investigação do PÁGINA UM que, há duas semanas, num dossier sobre a empresa de Luís Delgado – um ex-jornalista, administrador do Mercado da Ribeira/ Time Out e comentador político da SIC Notícias – identificara uma situação financeira desastrosa. Apesar de possuir um capital social de apenas 10 mil euros, a Trust in News tinha um passivo, no final do ano passado, superior a 27 milhões de euros.

Luís Delgado, à esquerda, prometeu comprar as revistas da Impresa por 10,2 milhões de euros. Não pagou ainda tudo, e aumentou para níveis astronómico a dívida ao Fisco.

O PÁGINA UM detectara, numa análise às demonstrações financeiras desta empresa, desde a sua criação – que adquiriu um portfolio de 17 revistas à Impresa no início de 2018 –, que a dona da Visão acumulara dívidas ao Estado no valor de 11,4 milhões de euros. No último triénio, essa dívida subiu em ritmo superior a três milhões de euros ao ano, mas Luís Delgado conseguiu o “milagre” de nunca constar na lista de devedores do Fisco ou da Segurança Social. Também se identificaram dívidas avultadas ao Novo Banco – por empréstimos concedidos – e ainda ao Grupo Impresa, por a finalização da compra – que deveria ter ocorrido em 2020 – estar a ser constantemente adiada por faltas nos pagamentos.

Apesar da Trust in News nunca ter respondido ao pedido de esclarecimentos da PÁGINA UM, ontem a “confissão” de Luís Delgado surgiu no Portal da Transparência da Entidade Reguladora para a Comunicação Social. Se até à semana passada, os registos com os indicadores financeiros de 2021 e 2022 omitiam qualquer identificação de entidades detentoras do passivos – ou seja, das quais a dona da Visão era devedora [como se pode ver aqui e aqui, gravado em 27 de Julho] –, agora estão lá claramente.

Saliente-se que a falta de comunicação ou a comunicação defeituosa à ERC das informações financeiras constituem “contraordenações muito graves”, com coimas que podem chegar aos 250 mil euros. Sem adiantar se foi já aberto algum procedimento contra a Trust in News, a ERC garante, contudo, que “todos os casos desconformes detetados (…) são naturalmente objeto de averiguação, respeitando os procedimentos legais.”

Fernando Medina, ministro das Finanças, não explica como é possível uma empresa de media com capital social de 10 mil euros consegue chegar aos 11,4 milhões de euros de calote ao Fisco sem antes fechar as portas.

Agora, com os dados correctos finalmente introduzidos pela própria empresa de Luís Delgado, ficou-se a saber que a Autoridade Tributária e Aduaneira detinha 35% do passivo da Trust in News em 2021– correspondente a cerca de 8,2 milhões de euros de dívidas fiscais, de entre um passivo total de 23,6 milhões.

Além dessa dívida, e como o PÁGINA UM também revelara, a Impresa Publishing detinha então 19% do passivo (quase 4,5 milhões de euros) e o Novo Banco 15% (cerca de 3,5 milhões de euros).

Em relação a 2022, a dona da Visão admite agora, a dívida fiscal aumentou para os 11,4 milhões de euros (mais 3,2 milhões em apenas um ano), uma vez que a Trust in News refere que a Autoridade Tributária e Aduaneira detém 42% do seu passivo. Em termos práticos, se o Estado exercesse, neste momento, um mecanismo coercivo de pagamento desta dívida, a Trust in News encerrava de imediato ou passava a ser controlada pela máquina fiscal ou política do Estado.

No caso dos passivos detidos pela Impresa e pelo Novo Banco, estes diminuíram percentualmente (para 15% e 13%, respectivamente). No caso da instituição bancária, o montante da dívida mantém-se estável face ao ano anterior, enquanto a dívida à Impresa reduziu-se para cerca de 4,1 milhões de euros, não significando, contudo, que o diferencial, face ao ano anterior, se deva a qualquer pagamento.

O antes e o depois de uma investigação do PÁGINA UM: dona da revista Visão não assumia dívidas fiscais, à Impresa e ao Novo Banco; agora teve de assumir.

Com efeito, o negócio da venda das revistas da Impresa à Trust in News continua envolto em mistério, porque, apesar de um comunicado à Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) em Janeiro de 2018, informando o montante do negócio (10,2 milhões de euros), não se consegue apurar, passados mais de cinco anos, qual a quantia efectivamente já paga.

Nos relatórios e contas do Grupo de Francisco Pinto Balsemão apenas constam paulatinamente, ano após ano, as renegociações da dívida, mas ignora-se o fluxo financeiro que efectivamente houve entre este e a Trust in News. Também se ignora se há cláusulas de reversão do negócio, ou seja, se a Impresa tem a obrigação de reaver as revistas – e os seus funcionários, incluindo jornalistas, bem como as dívidas entretanto assumidas – em causa da Trust in News se tornar insolvente.

Nesse aspecto, o PÁGINA UM tem solicitado esclarecimentos à CMVM, uma vez que, desde 2018, a Impresa nunca mais comunicou ao mercado uma alteração do negócio, e muito menos quanto dos 10,2 milhões de euros recebeu, uma vez que não é absolutamente nada claro que seja o diferencial entre o valor anunciado da venda e o remanescente da dívida, agora apontada para ser saldada apenas em 2036, ou seja, para as calendas.

Trust in News: um portfolio de 17 revistas à custa de 11,4 milhões de euros de fenomenal calote ao Fisco

Mas a CMVM, que em outras situações tem sido implacável com emitentes, apenas adianta que “até ao momento, a Impresa não divulgou ao mercado qualquer informação sobre uma eventual reversão do negócio de venda do portfólio de revistas”, remetendo outras informações para os relatórios e contas daquele grupo de media.

No entanto, repita-se, a informação nesses relatórios – que são feitas à posteriori e não no momento da ocorrência – são omissos sobre os fluxos financeiros, informando apenas do stock da dívida, susceptível de ter sido alterado por via negocial e não pela efectivação de um pagamento.

Menos que pouco esclarecedor sobre a situação financeira da Trust in News é a posição do Ministério das Finanças, ainda mais incompreensível agora que a própria empresa assumiu um astronómico calote fiscal. O PÁGINA UM voltou hoje a contactar o Ministério liderado por Fernando Medina, perguntando se “existe algum acordo entre o Governo e os principais grupos de media que lhes permitam aumentar dívidas fiscais, ou algum acordo para pagamento diferido de impostos”. A resposta foi o silêncio.

Mafalda Anjos, directora da Visão, apelidou de “fantasiosos” os artigos de investigação jornalística do PÁGINA UM sobre as contas da empresa do seu patrão. A realidade é outra… sob a a forma de calote de 11,4 milhões de euros aos contribuintes portugueses.

Certo é que, com uma dívida de 11,4 milhões de euros à Autoridade Tributária, uma espada de Dâmocles fiscal ergue-se sobre todas as revistas do universo da Trust in News, onde pontifica a Visão, dirigida por Mafalda Anjos.

O PÁGINA UM quis agora também saber a opinião da directora da revista Visão que, há duas semanas, e em duas ocasiões distintas, se insurgira, através de mensagens de correio electrónico, pelo uso de fotografias suas publicadas nas redes sociais. O PÁGINA UM não obteve resposta.


N.D. Num e-mail em 26 de Julho, voluntariamente remetido por Mafalda Anjos, a directora da Visão. embora escrevendo que “não me pronuncio sobre o conteúdo dos artigos” do PÁGINA UM sobre as contas da Trust in News, acabava por os rotular de “fantasiosos”. A directora da Visão também acrescentava que não permitia “que me citem diretamente em ON em qualquer artigo”. Note-se que um pedido desta natureza – declarações em OFF, que não devem ser usadas – carece de acordo prévio da outra parte, ou seja, do PÁGINA UM. Mafalda Anjos livremente decidiu depreciar o trabalho rigoroso de um colega de profissão – rotulando os artigos de “fantasiosos”, quando estes eram rigorosos. A “confissão” do seu patrão, Luís Delgado, mostra que, afinal, é Mafalda Anjos que vive num mundo de fantasia – mas onde há uma dívida de 11,4 milhões de euros do seu patrão ao Fisco.  

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