No PÁGINA UM, “todos” não são oito em 17

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Pedro Almeida Vieira|05/05/2024

Hoje, o Correio da Manhã – pertencente à Medialivre, o grupo de media mais sólido e ambicioso de uma imprensa nacional em estado comatoso – anunciou, em parangonas: “CMTV entrevista todos os cabeças de lista” às eleições europeias do próximo dia 9 de Junho.

Pensei, por momentos, que a Hora Política do PÁGINA UM – que nas últimas legislativas propõe entrevistar todos os líderes dos 24 partidos inscritos no Tribunal Constitucional, falhando apenas cinco – tinha dado frutos. E que, assim, órgãos de comunicação mainstream corrigiriam uma linha editorial claramente discriminatória. Afinal, o jornalismo tem uma obrigação especial na consolidação da democracia, que não passa apenas por garantir o princípio de “uma pessoa, um voto”. A imprensa deve também garantir a liberdade de expressão e a liberdade de oportunidades, pelo menos numa base de equidade.

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Mas, afinal, desenganei-me rapidamente. A CMTV – e presumo os outros órgãos de comunicação social quer da Medialivre quer dos outros grupos de media – considera que “todos os cabeças de lista” são afinal apenas oito dos 17 que lideram as listas dos partidos e coligações que constam no boletim de voto para o Parlamento Europeu, a saber: Sebastião Bugalho (Aliança Democrática), Marta Temido (PS), Jião Cotrim de Figueiredo (IL), Fidalgo Marques (PAN), Francisco Paupério (Livre), Catarina Martins (BE), João Oliveira (CDU) e António Tânger Corrêa (Chega). São os ‘oito magníficos’; os outros nove não interessam para os media mainstream.

Sou o primeiro a compreender que não se mostra muito apelativo entrevistar determinados candidatos: o próprio PÁGINA UM constatou isso em muitas das entrevistas da HORA POLÍTICA nas legislativas de Março. Os pequenos partidos não ‘dão’ muitos cliques – mas essa não é a condição principal para se definir uma linha editorial. No jornalismo, há obrigações que devem ser assumidas até para agradecer ao tal “25 de Abril Sempre”. A democracia vale sobretudo por aquilo que se transmite, pelas acções concretas – e a comunicação social não deveria transmitir atitudes de discriminação; não é digno para quem herdou a liberdade de expressão e de informação de um punhado de heróis no longínquo 1974. Ou só conta evocá-los, para descansar consciências, quando, uma vez por ano, se desce a Avenida da Liberdade de cravo na mão, sendo-se hipócrita nos restantes 364 dias do ano? Ou 365, em anos bissesxtos.

Não ouvir todos, ainda mais em eleições europeias, é mesmo discriminação – e, ainda por cima, por falarmos de comunicação social, significa também manipulação da opinião pública com influência eleitoral, porque condiciona a divulgação de ideias distintas dos partidos tradicionais, daqueles que andam a fazer crescer ideologias populistas.

Com efeito, nestas eleições europeias já nem se pode aplicar os ‘argumentos’ aduzidos pela imprensa mainstream para as eleições legislativas: beneficiar apenas os partidos com representatividade parlamentar, e meter os restantes tudo ao molho com uma cobertura de campanha minimalista. Afinal, actualmente, no Parlamento Europeu tanto a Iniciativa Liberal como o Chega não possuem representantes – e mesmo o Pessoas-Animais-Natureza (PAN) deixou de ter o seu com desvinculação de em Junho de 2020. Aliás, nas eleições europeias de 2019, o Livre teve apenas 1,83%, ficando mesmo atrás da Aliança (1,86%), e a Iniciativa Liberal teve somente 0,88%, atrás ainda do PPM.PPV/CDC (1,49%) e do Nós, Cidadãos (1,05%).

Se considerarmos os resultados das últimas eleições legislativas, e sabendo-se que a eleição de um eurodeputado exige em redor de 4,7% dos votos nacionais, apenas parece certo que sejam eleitos representantes no Parlamento Europeu da Aliança Democrática, do Partido Socialista, do Chega, da Iniciativa Liberal e do Bloco de Esquerda, como o PÁGINA UM mostrou em Março passado. Para conseguirem eurodeputados, a CDU, o Livre e o PAN terão de conseguir muito melhor do que nas legislativas. Ou seja, há muitos partidos que, do ponto de vista de uma potencial representatividade no Parlamento Europeu, estão ao mesmo nível da generalidade dos chamados pequenos partidos, onde até se destaca o ADN que se apresenta com a mediática Joana Amaral Dias.

 Ora, numa situação destas, e mesmo que essa tarefa seja hercúlea para o PÁGINA UM – com uma estrutura financeira e de recursos humanos reduzidíssima, com apenas dois jornalistas seniores –, não podemos deixar de encetar a segunda edição da HORA POLÍTICA, propondo apresentar entrevistas a todos – e este “todos” não é a versão do Correio da Manhã – os cabeças de listra dos 17 partidos e coligações a votos em 10 de Março.

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Os convites estão a ser já endereçados – e contamos divulgar a primeira no dia 21 deste mês, com a derradeira a ser publicada no dia 6 de Junho.

Este é, confessamos, um esforço em prol da democracia que poderá afectar a nossa produção habitual, mas há coisa que têm de ser feitas pelo PÁGINA UM, quando outros, com mais recursos, as poderiam e deveriam fazer, mas não fazem. Foi essa também uma das razões fundamentais para o nascimento deste projecto jornalístico independente, que depende dos leitores.


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