Esse fogo que arde e que se vê

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Elisabete Tavares|19/09/2024

Manhã quente e sombria, aquela em que se desperta para uma paisagem cinzenta, morta e quebrada. O ar é de guerra, de fumo e cinza negra que entranha no cabelo, na pele, nas narinas. Na alma.

Perco já a conta aos Verões a ler e a escrever sobre fogos, incêndios, vidas perdidas, vidas destruídas. As notícias sobre bombeiros cercados. Os contactos com a Protecção Civil. As forças policiais. Os diferentes Ministérios. As notícias sobre o que se pode ir fazer junto das seguradoras. A ausência de seguros. Os interesses económicos que se escutam aqui e ali. Porque tudo é negócio. Até nas desgraças, há sempre quem tenha lucro.

Se ao menos as florestas e o mato fossem petróleo, ouro ou minas de diamantes… Haveria talvez outro cuidado, outro tipo de vigilância, outra estratégia de protecção. Mas não são. São silvas, ervas, eucalipto, pinheiros. São hortas, campos cultivados. São casas onde vive gente. São galinheiros, coelheiras. São fábricas onde trabalha gente. São caminhos antigos amigos de pastores. São ovelhas, patos e porcos, gado…

Há falta de civismo. Há falta de meios. Há falta de cuidados. Há negligência. Há falta de dinheiro para pagar a guardas e vigias. Para mais carros, aviões e helicópteros para apagar os fogos quando ainda se vai a tempo de salvar o que importa. E há crimes.

Mas há, sobretudo, falta de amor. Falta de amor pelos campos, pelas florestas. Pelos rios e nascentes subterrâneas. Pelas gentes. Pelas cidades, vilas e aldeias. Pelas fábricas que empregam gente. Pelas escolas que ainda têm alunos, professores e auxiliares. Pelos hospitais. Pelos quartéis e pelos bombeiros. Pelos postos de GNR e os agentes. Falta de amor pelas estradas e caminhos. Pelos animais. Pela natureza.

Porque, quando se ama, quando há amor de verdade… há carinho e há cuidado. Amamos e cuidamos. E cuidamos do que amamos. Se não, não é amor. Pode ser interesse. Pode ser dependência.

O amor nota-se e é evidente. Vê-se exteriormente. Nas acções.

Como se repete o inferno todos os anos? Como é que ainda se morre a combater fogos na era dos drones, dos aviões sem piloto, dos satélites, da inteligência artificial? Como?

Como é que se deixa ainda terra ao abandono, à sua sorte e à mercê das desgraças?

Os seguros não pagam o que se perde. Não recuperam o que se perdeu. Não se recuperam as vidas perdidas a defender casas, floresta, animais e gente. A defender o país.

Esta é uma guerra. Mas não é só uma guerra contra o fogo, que mata e destrói. Mas uma guerra contra nós próprios. Porque dói, mas a verdade é que temos sido cúmplices destes incêndios malditos. Porquê? Porque fechamos os olhos à negligência, aos interesses. Toleramos a falta de civismo e o abandono das terras, das casas, da floresta.  Porque calamos quando se soltam criminosos e permitimos que a Justiça seja branda com o crime. Por que só nos interessamos pelo nosso quintal. Porque aceitamos que se gaste dinheiro público em merdas. Sim, em merdas. É só olhar para os milhões que se esvaem para empresas falidas, mas que pagam bons salários a gestores amigos dos partidos no poder. Para os milhões em almoços, jantares, festas e banquetes e recepções. Em carros topo de gama e carrões para autarcas e governantes passearem em contínua campanha eleitoral. Os milhões enterrados em bancos e para tapar buracos abertos por créditos a amigos do poder. É só consultar o Portal Base e perceber que há dinheiro. O que não há é amor suficiente. Pegue-se no dinheiro disponível e numas migalhas de amor e as notícias nos Verões passarão a ser diferentes.  

Porque esta guerra não se vence só com mais canhões de água, bombeiros e aviões. Há que almejar protegermos e mantermos vivo tudo o que amamos. Prevenir, proteger, cuidar. E desejar, verdadeiramente, sem populismos e sem mais merdas, a Paz.

Porque o amor é um ‘fogo’ que arde e que se vê. Todos os dias. Nos cuidados e no carinho que demonstramos pelo que (e quem) mais amamos.

     


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