Novelas improváveis: Rommel em Jerusalém
O estado-maior

“… Meus senhores”, anunciou o marechal Rommel ao seu Estado-maior reunido num amplo salão do segundo piso da torre YMCA, enquanto o seu ajudante, o capitão Aldinger, ajustava um mapa de Jerusalém e arredores sobre a mesa. “…Acabámos de conquistar a cidade mais volúvel do mundo e cujo nome, dizem-me, significa santa paz. Aqui vivem cristãos, judeus e muçulmanos, de várias denominações e obediências. Têm ódios que veem da noite dos tempos e dedicações que temos de compreender se os quisermos dominar. Os nossos antecessores britânicos não tiveram muita sorte nisso”.
Pelas janelas avistava-se o parque de cedros, plátanos e ciprestes que ornamentavam os jardins da residência e, à distância, via-se a cidade velha de Jerusalém com as suas cúpulas, minaretes e torres. Naquela reunião, estavam os grandes nomes do Exército Panzer de Afrika: Gause, chefe do estado maior: Bayerlein, comandante do Afrika Korps, Westphal, chefe do estado maior; comandantes das grandes unidades como Marcks, Buelowius, von Thomas, von Sponeck. Todos sabiam o que o marechal deles esperava; uma exposição clara e franca das dificuldades e soluções. Sabiam que Rommel dividia os militares em inteligentes, tolos, preguiçosos e ambiciosos. Os tolos e ambiciosos eram perigosos e livrava-se deles. Aos tolos e preguiçosos, atribuía tarefas inócuas. Aos espertos e preguiçosos, fazia-os seus comandantes, zelando para que cumprissem ordens. Aos ambiciosos e inteligentes, colocava-os no seu estado-maior, pois queria ajuda. E eles ali estavam, com a bandeira que serviam, sem nada omitirem dos riscos e ameaças.

“… Srs. Oficiais”, continuou Rommel: “… O comandante em chefe decidirá como entender; mas tendes de lhe apresentar as possibilidades. O coronel Westphal vai expor a situação, e os desafios para mantermos Jerusalém, antes de passarmos ao nosso próximo objectivo”.
Um rumor aprovador percorreu a sala. O coronel Westphal de porte atlético, iniciou a exposição com a determinação do seu chefe. “… O Panzer Armee Afrika está ainda demasiado fraco para uma nova ofensiva, e os britânicos demasiado frustrados para qualquer novo ataque. Tanto podemos continuar a ofensiva para leste pela Jordânia e Iraque até aos poços de petróleo retirando aos Aliados esse nervo da guerra; como podemos seguir até junto à fronteira turca e ao Irão, envolvendo a União Soviética pelo flanco sul e assim levarmos a guerra até às paragens do Volga e apoiar o 6º exército que marcha sobre Estalinegrado…”
Seguiu-se um debate acalorado sobre este dilema.
“… Temos de aguardar que Berlim se pronuncie”. A linha ofensiva sobre os campos petrolíferos é insustentável, …” Os territórios do Cazaquistão estão demasiado longe.” “… Hitler prefere a guerra económica”, declarou o general von Thomas. ”… Ele quererá o petróleo”.
O briefing prosseguiu com o general Gause. “… Até aqui, combatemos sobretudo no deserto, com populações fugidias. Agora estamos numa malha urbana onde existem organizações paramilitares, árabes e judaicas. E nada é fácil com elas, prosseguia o general Gause, o intelectual do grupo, com vastos cabedais de conhecimentos históricos. “Os muçulmanos são os antigos moradores da terra … que se tornaram cristãos com a ascensão do cristianismo e muçulmanos com a chegada do Islão” … A dispersão dos judeus para fora da Terra de Israel após a destruição do Segundo Templo pelo imperador romano Tito é um “erro histórico”. Muitos dos “trabalhadores da terra permaneceram para trás e converteram-se ao cristianismo e ao Islão. Então, interrompeu Rommel, os árabes palestinos são os irmãos de sangue dos judeus.

Assim é… Palestina é um nome romano que ficou da Antiguidade para indicar estes territórios em que nos encontramos a que os judeus chamam haaretz Israel e os cristãos chamam de Terra Santa E em que nos afecta isso? “…A população da Palestina não tem uma postura unânime face a nós, como não a tinha face aos britânicos,”, respondeu Gause.
O chefe do estado-maior do AK, o general Bayerlein, um duro de roer, afirmou que muitos líderes e figuras públicas muçulmanas consideravam que a vitória do Eixo seria a forma de garantir que a Palestina jamais seria restituída aos sionistas e aos britânicos. “… O SS-Reichsfuehrer Himmler, apóstolo das teorias raciais de Hitler, apoia o Grande Mufti de Jerusalém, Mohammad Amin al-Husseini, na luta contra a hegemonia britânica. Vamos ter os muçulmanos todos do nosso lado. E devemos explorar isso ao máximo…”
“…Não diga disparates”, atalhou o marechal Rommel. “… Devem existir mais de 500.000 muçulmanos a lutar pelos Aliados contra nós. 300.000 marroquinos e argelinos combatiam em França. Eu mesmo lutei contra essas forças coloniais francesas na passagem do Somme em Maio de 1940. E centenas de milhares de muçulmanos lutam no Exército britânico da India. Até os soviéticos têm soldados muçulmanos. Mas já vi que tu, Bayerlein, não gostas do susto que nos deu a 4ª divisão indiana em Tobruk”. Os circunstantes entreolharam-se e riram. Bayerleien não se deu por achado. “…Até capturei o brigadeiro Clinton dessa 4ª divisão”. “… Que depois fugiu, replicaram. “… Mas foi recapturado”, retrucou… “Mas voltou a fugir em Itália...” Rommel não ligou à troca de picardias. Parecia cismar em algo de diferente.
Gause esboçou um sorriso retorcido. Fritz (era o primeiro nome de Bayerlein) é melhor não ires por aí… Saber quem entre árabes e judeus está por nós, é quase impossível. Até os sionistas colaboraram com o Partido em meados dos anos 1930 e Goebbels mandou cunhar uma medalha em 1935 comemorando a aliança sionista-nazista.

Uma jovem serviçal que entrou procurando não chamar a atenção. Os seus cabelos escuros formavam uma trança e tinha o corpo bem torneado. Não aparentava mais de vinte e cinco anos, mas nos olhos fulgia uma sabedoria ancestral. Serviu em silêncio um sorbet de limão a todos os oficiais e ia retirar-se quando subitamente Rommel lhe perguntou. “… A menina, espere um pouco”. A jovem estacou, sem ostentar preocupação. “… Qual o seu nome, por favor?” Era Ester. “… Muito bem, Ester, se eu lhe perguntar se os árabes estão por nós, alemães, que diria?” A jovem respondeu em perfeito alemão: “… Sr. Marechal: apenas sei que nesta cidade cada um está por si próprio e o resto conta pouco”. Rommel agradeceu a resposta.
O briefing se aproximava do fim. Os sionistas, a Yishuv – continuou Gause – vive em grande preocupação desde Tobruk. Falam em duzentos dias de ansiedade. Com apoio britânico, os judeus sionistas formaram o Palmach – uma unidade de élite pertencente a Haganah – grupo paramilitar composta de tropas de reserva – com o fim expresso de nos combater.
“…São, pois o nosso principal inimigo, acentuou Bayerlein. “Mas que sabem eles fazer?”. “…. Atentados terroristas, sobretudo. Foram treinados por Orde Wingate. “…. Wingate, aquele capitão britânico que Churchill chamou para o enviar contra os japoneses em Burma?” “…. Esse mesmo legou ao Palmach as tácticas de guerrilha que vêm do tempo de Lawrence em 1916. Só que Lawrence servia-se dos muçulmanos e Wingate serve-se dos judeus. Os sionistas radicais foram empenhados pelos ingleses em atividades terroristas contra os árabes, mas tanto esfaqueiam árabes, como judeus não-sionistas, ou mesmo ingleses. E agora, temo-los à perna

“… Enfim, meus senhores”, concluiu Rommel. “… Como vimos, Jerusalém tem radicais. Os islâmicos de Husseini estão de um lado da barricada. Irgun, Palmach e Hagannah do outro. Esperemos o pior de todos. Teremos que os identificar e neutralizar e procurar quem no meio desta cidade quer as pazes connosco. Quanto ao mais, Berlim decidirá. “
Houve um rumor de pastas a serem arrumadas quando o coronel Stauffenberg, conhecido como católico, arriscou: Berlim e Deus, Sr. Marechal. “… Deus? Sr. Coronel? Deus marcha com os grandes batalhões” asseverou Rommel, acrescentando com um ar maroto. “…. Mas isso não é razão para que O não visite na sua cidade preferida”.
O marechal saiu para os seus aposentos acompanhado por Aldinger que lhe perguntou. “… Será que os ingleses nos atacarão?” O marechal tinha pouco a dizer. “… Não travarei batalha se nada ganhar com a vitória. E eu ainda não sei o que posso ganhar em Jerusalém. Agradeceu a Aldinger e, após este ter fechado a porta, sentou-se a uma secretária de mogno e iniciou a breve missiva que todos os dias enviava à sua bem-amada esposa, Lúcia, em Herrlingen. Datou a carta – 2 de Agosto de 1942 – e começou:
Querida Lu
Estou bem de saúde e espero que assim estejas tal como Manfred. As minhas primeiras impressões desta cidade são ainda fugidias. Não sei quanto tempo aqui ficaremos, mas tudo me impressiona. Pessoas, árvores, edifícios. Jerusalém é um mistério!
Teu
Erwin
[CONTINUA]