MAIS DE 22.000 MWH SAÍRAM PARA O PAÍS VIZINHO DURANTE 12 HORAS

Horas antes do apagão, Portugal andou a vender ao ‘desbarato’ electricidade a Espanha

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Pedro Almeida Vieira|29/04/2025

Até às 9 horas da manhã de ontem, antes de o sistema eléctrico espanhol colapsar e arrastar consigo Portugal para um dos maiores apagões da história recente da Península Ibérica, o nosso país esteve a vender electricidade em larga escala ao seu vizinho. Segundo dados recolhidos pelo PÁGINA UM na plataforma gerida pela Red Eléctrica de España (Redeia), entre as 21h00 de domingo, dia 27 de Abril, e as 9h00 de segunda-feira, 28 de Abril – ou seja, até cerca de três horas e meia antes do blackout –, Portugal exportou um total de 22.118,25 megawatts-hora (MWh) para Espanha.

Esta transferência de electricidade, contínua e robusta ao longo de toda a noite, e que se iniciou às 20h10 de domingo, teve o seu pico às 21h50, quando a exportação atingiu os 2.273 MW. Durante o período nocturno de domingo para segunda-feira, Portugal manteve uma média de exportação de cerca de 1.830 MW – valores registados a cada cinco minutos – correspondendo a uma produção constante que teve, cruzando com dados da Rede Eléctrica Nacional (REN), um contributo decisivo das centrais hidroeléctricas portuguesas, especialmente no Norte. Tendo em conta os preços típicos do mercado ibérico de electricidade (MIBEL), esta operação poderá ter rendido ao sistema eléctrico português entre 1,1 milhões e 2,6 milhões de euros de receita.

two square blue LED lights

Com o amanhecer de segunda-feira e a forte insolação matinal – traduzida numa produção em massa de energia fotovoltaica em território espanhol –, a situação inverteu-se radicalmente. Dados da Redeia mostram que, a partir das 9h00, Portugal deixou de exportar e passou a importar electricidade. Pelas 9h30, já estava a receber 1.137 MW da rede espanhola, valor que não parou de subir: às 10h55, a importação já roçava os 3.000 MW e, imediatamente antes do blackout – às 12h30 – Portugal estava a importar 2.652 MW.

Durante essas cerca de três horas e meia em que Portugal esteve a importar energia, o volume total recebido ascendeu a 7.049 MWh, o que equivale, aos preços usuais do MIBEL, a um negócio entre 350 mil e 850 mil euros, desta vez a favor da parte espanhola. Tudo indicava normalidade, apesar da reversão dos fluxos de energia. No entanto, pouco depois das 12h30, a rede espanhola colapsou, apanhando desprevenido o sistema eléctrico português, altamente interligado com o espanhol.

A quebra abrupta da interligação ibérica – sem qualquer capacidade de compensação interna imediata – precipitou o blackout nacional, que mergulhou o país numa situação caótica. As comunicações caíram em simultâneo com a energia, afectando a totalidade das redes móveis, os transportes, o funcionamento de instituições públicas e privadas e o próprio sistema de emergência nacional. O apagão durou mais de seis horas em várias zonas do país, evidenciando uma alarmante vulnerabilidade estrutural da rede eléctrica portuguesa perante perturbações exteriores.

green trees near snow covered mountain during daytime

Apesar de não existir, até ao momento, uma explicação oficial detalhada sobre a origem do colapso em Espanha, os dados analisados pelo PÁGINA UM evidenciam a forte dependência entre os dois sistemas eléctricos, mas mais para trocas comerciais do que para garantir segurança no abastecimento. Em geral, estas vendas sucedem-se sobretudo para ‘gastar’ excedentes de produção, para bombar água para montante nas barragens quando a energia é barata, ou então para desligar as centrais hidroeléctricas quando a produção das outras renováveis (eólica e fotovoltaica) é elevada.

Mas existe um problema neste contexto: mesmo se a previsão meteorológica consegue estabelecer um padrão expectável de produção de electricidade por via eólica e solar, mostra-se mais falível do que em sistemas tradicionais. E, em sistemas exageradamente assentes em renováveis, a capacidade de reposição pode causar problemas drásticos.

Ora, quando o apagão repentino em Espanha ocorreu, cortando de imediato quase 3.000 MW de electricidade, não houve ‘tempo de reacção’. E num sistema eléctrico nacional, não basta fazer como numa casa quando os fusíveis colapsam: repor a situação é muito mais moroso e complexo. O chamado black start pode demorar várias horas, mesmo havendo potência instalada suficiente.

light bulb

Assim, mais do que uma questão técnica, este episódio levanta sérias interrogações sobre a gestão estratégica da produção e do consumo de energia em Portugal, nomeadamente a aposta crescente na exportação nocturna e a ausência de garantias de abastecimento interno em cenários de emergência.

O apagão revelou ainda outro problema crítico: a falta de capacidade de “ilha eléctrica” em Portugal. Na prática, isso significa que, uma vez interrompida a ligação com Espanha, o sistema nacional não foi capaz de se manter autonomamente a funcionar, nem mesmo com recurso a centrais térmicas ou hídricas de emergência. O blackout propagou-se quase instantaneamente, demonstrando que a tão propalada transição energética assente em fontes intermitentes – como a solar e a eólica – carece de mecanismos eficazes de estabilidade e resposta rápida.

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