DO VARANDIM DO ESTORIL

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Pedro Almeida Vieira|04/05/2025

Foi preciso descer, ou lateralizar, até à Linha de Cascais para confirmar que nem tudo no Estoril são mansões com vista para o mar — até há um estádio que, enfim, me fez recuar aos tempos em que assistia a jogos do Moitense na terceira ou quarta divisão dos distritais de Aveiro, nos anos 80. Exagero. Aquilo era um pelado, nem bancadas havia, e o mais entusiasmante era ver as cacetadas nas canelas e a ousadia dos guarda-redes a lançarem-se e a esfolarem-se todos na pedra solta.

Mas enfim, a minha visita ao estádio do Estoril-Praia deu para saber duas coisas. A primeira foi que, pobre de mim, sou um desgraçado frequentador da Varanda da Luz — e, nos últimos tempos, com passagem pela Varanda do Varandas, uma ida ao Dragão, outra ao Montjuïc, em Barcelona, e uma outra (que terá repetição este ano) ao Jamor. Portanto, sou frequentador de estádios com História, ignorando as vicissitudes dos pequenos clubes, mesmo em regiões onde o metro quadrado de construção ultrapassa, em certos sítios, os dez mil euros.

Por outro lado, fiquei finalmente a saber — mesmo se pouco — quem foi o António Coimbra da Mota. Pesquisei na Internet enquanto as equipas ainda aqueciam. Consta que terá sido um benemérito, cujos herdeiros devem estar agora a lamentar a doação — ou, pelo menos, a ponderar se o nome não merecia um estádio menos propenso a servir de abrigo ao vento e às sevícias meteorológicas do Guincho. Brincadeira, claro.

Não me posso queixar da experiência. A começar por pensar, ingénuo de mim, que seria rápida e fácil a viagem até ao estádio: comboio até ao Monte Estoril e depois um breve passeio até ao recinto. Porém, o progresso em Portugal é daquelas coisas que complicam sempre a vida a quem tem planos simples — e, assim sendo, a modernização da Linha de Cascais, mais a expansão da rede de metro, levou à suspensão dos comboios entre o Cais do Sodré e Algés durante este fim-de-semana. Resultado: acabei por recorrer aos serviços ‘uberianos’ da Elisabete — e lá fiquei às portas do estádio, bem a tempo de sacar a acreditação e entrar logo ali, com passagem pelo relvado para uma fotografia que, aliás, nunca consegui tirar na Luz.

Do jogo, verdadeiramente, pouco há a dizer. Ou melhor: o essencial foi dito pelo Tiago Franco. Acrescento, ainda assim, que nesta senda final de um dos campeonatos mais renhidos de que há memória (pelo menos desde que a memória dos benfiquistas se reduz à última jornada), procuro também disfarçar o meu nervosismo escrevendo sobre tudo e sobre nada.

Vai-se, pois, destacando a arquitectura do estádio, adequado a adeptos à moda antiga, que aguentam as intempéries da chuva, do sol e do vento — porque está quase tudo destapado, ao contrário do que sucede com os jornalistas da imprensa escrita, enclausurados numa espécie de aquário envidraçado que, embora os proteja dos elementos, também os impede de sentir o ambiente dos adeptos. De resto, quase todos benfiquistas. E como se não bastasse, ficam acantonados na ala norte, o que significa que só vêem bem um dos ataques.

No caso, porém, a sorte protegeu os envidraçados: tendo o jogo terminado com uma vitória por 2-1 do Benfica, e tendo o Estoril marcado na segunda parte, muito bem se viram todos os golos, mais a defesa salvífica de um penálti pelo ucraniano Trubin, que começa a ganhar lugar no coração dos adeptos.

Não foi uma vitória fácil — no Dragão, há um mês, foi canja. Aliás, foi um daqueles triunfos que envelhece os treinadores cinco anos em noventa minutos e que obriga os adeptos a roerem as unhas até ao sabugo. Ao intervalo, tudo parecia encaminhado para mais um jogo de gestão: primeiro golo, de Aursnes, saído dos manuais de boas práticas da UEFA; o segundo golo, em mais uma bola parada — onde, milagrosamente, agora o Benfica começa a parecer equipa grande —, deu uma falsa sensação de tranquilidade. Mas, como já se vai tornando hábito, a segunda parte trouxe o lado B: o recuo inexplicável, o golo do Estoril e a sensação de que o Benfica joga contra o cronómetro, contra si próprio e contra a inevitabilidade da ansiedade.

O Estoril, que é equipa bem orientada e com vontade de fazer mossa, cresceu. Os adeptos — ou, pelo menos, eu — sofrem, imploram que o tempo passe, e há sempre aquela sensação de que o árbitro irá dar sete, oito ou nove minutos de compensação. Mas tudo terminou em bem.

Para a semana, é o jogo do título. É isso que se diz. Mas antes do jogo do título, é preciso que esta equipa perceba que ainda não ganhou nada. Que não basta marcar dois golos em trinta minutos e depois entregar o controlo do jogo como se estivesse tudo decidido. O futebol é implacável para quem dorme cedo demais. E o campeonato português tem essa virtude: castiga os distraídos e glorifica os persistentes.

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