ARRANHADELAS

‘Kit Apagão’ do Observador? E que tal um ‘Kit Jornalismo’?

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Serafim|06/05/2025

Chamem-me gato velho, mas garanto-vos que há já muitos anos não me deixo embalar por ronrons jornalísticos. Esta semana, enquanto me espreguiçava na almofada da janela, ouvi uma onomatopeia curiosa vinda do meu estimado parceiro humano. Fui espreitar.

Encontrei-o a ver o Observador, órgão de comunicação social que se diz independente, que está a oferecer um Kit Apagão aos novos assinantes: um rádio verde com manivela, painel solar, power bank e lanterna. Um verdadeiro mimo de emergência para quando os serviços básicos colapsam como as ideias de um editorialista em dia de comissão.

Ora, enquanto eles distribuem lanternas, eu, Serafim, distribuo ideias — e jamais haverá apagão que me silencie. E se a intenção é premiar o leitor com um artefacto de sobrevivência, então por que não ir mais longe? Crie-se o Kit Jornalismo: um dispositivo digno de uma civilização onde a luz se mede em lumens de verdade.

Imaginem comigo. Um rádio felinamente afinado: em vez de ondas médias, capta pensamento crítico; em vez de interferências ideológicas, filtra factos. Faz-se girar a manivela — não a do sensacionalismo, mas a da integridade — e sai uma notícia sem patrocinador escondido. Se girarem rápido, até pode vir com gráfico, diversidade de opinião e, quem sabe, um pedido de desculpas por desinformação publicada durante a pandemia.

Mas o Observador, claro, prefere oferecer um rádio físico, como se dissesse: “Queremos que fiquem informados… mesmo quando tudo falhar.” Mesmo quando as nossas notícias falham em rigor e conteúdo, presumo.

O ‘Kit Apagão’ do Observador…

Que visão tão comovedora. Já não bastava termos empresas monopolistas a brincar com o interruptor do país — agora temos o jornalismo a normalizar o colapso. O apagão não é um acidente; é uma metáfora. E esta promoção é um gesto simbólico: em vez de questionar os responsáveis pela escuridão, o jornal oferece uma vela e um bom serão de submissão luminosa.

Mas não sejamos injustos. O rádio do Kit Apagão do Observador também tem manivela. Um gesto nobre. Porque, se há coisa que os jornais deviam fazer, era dar à manivela do rigor, não à da propaganda. Ao rodar o Kit Jornalismo, o leitor ouviria reportagens sem spin, sem fontes “próximas do processo”, sem estudos do “Instituto Internacional de Coisa Nenhuma” patrocinados por quem tem interesses. Ouviria jornalistas que investigam, questionam, confrontam. Sim, jornalistas que, se lhes faltasse a luz, não acendiam um candeeiro de presunção, mas acendiam fósforos de incómodo.

E talvez, com isso, não fosse necessário rádio nenhum. Porque o jornalismo que cumpre a sua função é, ele mesmo, um gerador de consciência. Não precisa de pilhas, nem de USB. Basta-lhe carácter.

… e o Kit Jornalismo sugerido para o Observador pelo Serafim.

Mas não — o Observador prefere oferecer rádios. Talvez porque sabem que, na ausência de jornalismo a sério, o silêncio informativo só se combate com ruído mecânico. Dê-se à manivela e o povo distrai-se com a previsão do tempo enquanto a luz não volta e os factos continuam ausentes.

Ora, como gato que nunca se deixou apanhar por armadilhas, aviso-vos então: caso assinem o Observador e queiram o Kit Apagão, aceitem o rádio — mas desconfiem da lanterna. Pois pode muito bem servir para vos guiar não à saída do túnel, mas ao fundo dele.

Serafim é o Mascot do PÁGINA UM, conveniente e legalmente identificado na Ficha Técnica e na parte da Direcção Editorial, possível pela douta interpretação da Entidade Reguladora para a Comunicação Social. Qualquer semelhança entre os assuntos relatados e a realidade é pura factualidade.

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