CASTIGOS DO CASO NRP MONDEGO VÃO BORDA FORA
Justiça ‘torpedeia’ Gouveia e Melo: Supremo arrasa processos contra militares castigados

Fim de linha para o ‘justiceiro’ Gouveia e Melo. Um acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (STA), particularmente demolidor para a cúpula da Marinha, anulou todos os processos disciplinares que castigaram 11 militares do navio de patrulha NRP Mondego, que se recusaram, em Março de 2023, a cumprir uma missão alegando falta de condições de segurança.
No acórdão de 230 páginas, os juízes consideram inválido o processo desde a sua origem, apontando múltiplas ilegalidades e violações de direitos fundamentais, incluindo o direito à defesa, à produção de prova e à imparcialidade do processo. E consideram que o Tribunal Central Administrativo do Sul agiu correctamente quando declarou nulo um despacho de 1 de Julho de 2024 proferido pelo Chefe do Estado-Maior da Armada, Almirante Henrique Gouveia e Melo, que indeferiu o recurso hierárquico apresentado pelos militares, confirmando os castigos impostos pelo Comandante Naval.

Agora, o tribunal superior considera tão graves as falhas legais — e mesmo constitucionais — que nem sequer permite qualquer “apreciação e qualificação do comportamento dos militares da Marinha” nos polémicos eventos de 2023. Recorde-se que Gouveia e Melo chegou a deslocar-se à Madeira para uma repreensão pública aos militares, observada in loco pela comunicação social.
Em 11 de Março de 2023, quatro sargentos e nove praças do NRP Mondego recusaram embarcar numa missão de vigilância a um navio russo ao largo do Porto Santo, alegando falta de segurança. Dezasseis dias depois, nova missão falhou: embora o Mondego tenha largado do Funchal rumo às Selvagens, para render elementos da Polícia Marítima e do Instituto das Florestas, acabou por regressar ao Caniçal por problemas técnicos e de segurança.
Gouveia e Melo, mesmo antes de qualquer acção de apuramento dos factos, criticou os militares, que foram logo alvo de penas disciplinares, com suspensões de serviço a variar entre os 10 e os 90 dias, segundo a categoria, posto e antiguidade de cada um. Em causa estaria o incumprimento de deveres militares previstos no regulamento de disciplina em vigor.

Estas sanções seriam depois confirmadas pelo próprio Gouveia e Melo num despacho que indeferiu o recurso hierárquico interposto pelos advogados dos militares. Esse despacho do então Chefe do Estado-Maior da Armada foi agora arrasado pelos juízes-conselheiros do Supremo Tribunal Administrativo.
No acórdão, o tribunal superior sublinha que o oficial instrutor do processo disciplinar esteve envolvido nos factos em causa — o que o tornaria legalmente impedido — e criticou ainda a recusa de provas requeridas pela defesa, bem como a ausência de informação aos arguidos sobre os seus direitos legais e constitucionais.
O tribunal considerou também que o processo violou os princípios constitucionais do contraditório e do direito de audiência, impedindo um julgamento justo. Entre outras críticas, rejeita a recusa de reconstituição dos factos e de peritagens externas ao navio, bem como a argumentação da Marinha de que tal escrutínio colocaria em risco a segurança nacional. “A falta de informação aos arguidos, em sede de processo disciplinar militar, dos seus direitos e deveres, nomeadamente o direito a serem assistidos por advogado e o direito ao silêncio, constitui violação dos direitos de audiência e defesa”, salientam os juízes-conselheiros.

E dizem ainda que a existência de “diligências complementares de prova”, encetadas pela Marinha sem a garantia de defesa dos arguidos, constitui uma “nulidade insanável”.
A decisão judicial, que aponta atropelos até constitucionais do ex-líder militar, coloca em ênfase a personalidade de Gouveia e Melo, quando se mostra cada vez mais evidente que apresentará uma candidatura à Presidência da República. Com efeito, a anulação do despacho de Gouveia e Melo e a declaração de nulidade de todo o processo disciplinar colocam em causa o exercício de autoridade do então Chefe do Estado-Maior da Armada num dos episódios mais mediáticos da sua liderança, abrindo também espaço para um debate sobre o respeito pelas garantias fundamentais no âmbito da justiça militar.