DA VARANDA DA LUZ
Eduardo Mãos Marotas provocou o apagão do século

Cristiano Ronaldo, melhor jogador do Mundo desde a extinção dos dinossauros, que da pedra poliam jogadas de força — e um dos melhores da Academia de Alcochete —, é tão bom profissional que depois dos treinos mergulha numa banheira de gelo.
Eduardo Quaresma, melhor animador do balneário e dessa prestigiada Academia desde os tempos de Bruno de Carvalho, é tão irresponsável e ligado à corrente que quando chega a casa atira-se à namorada.
— Ai, Edu, se continuas assim qualquer dia dá golo!

Quando o ovo estrelado lhe rebentou no prato, ao comer uma alheira de frango por causa da dieta, o treinador Rui Borges teve um estranho pressentimento sobre o jogo com o Gil Vicente. Sem Ousmane Diomande, castigado por preconceito religioso do Conselho de Disciplina, teria de colocar no centro da defesa o holandês com nome de Santo Justo. Em tempos de comoção pela morte do Papa, poderia a equipa de arbitragem aproveitar as correrias dele, como na final da Taça do ano passado, para pilhar galinhas em terra relvada, a fim de animar a prima delas que se exibe pelos ares no Estádio da Luz em troca de uma ração de minhocas.
— Ana Luísa, isto não está a saber-me bem. A minha avó já dizia que a alheira é como a verdade desportiva: na nossa terra só se faz com carne de porco.
Com 11 batatas fritas no lugar das caricas dos tempos de Mirandela, o treinador transmontano desenhou na toalha de riscas verdes e brancas um plano para, em caso de necessidade, dar a volta ao resultado. Colocou Eduardo Quaresma de início, ao lado direito do Justo, com o objectivo estratégico de compensar as corridas em profundidade com fintas e piadas enervantes a toda a largura do campo.
— Vai lá e manga com eles, rapaz. Não lhes dês vagar!

E o Eduardo assim subiu ao relvado, de camisola às riscas, disposto a espalhar a mostarda no nariz dos adversários. Para reprimir as saudades de casa, durante 90 minutos mais tempo de sobremesa, aproveitou os pontapés de canto para lhes contar que o galo de Barcelos tem pele de galinha da segunda circular e provavelmente é transgénico. Em lugar de se rirem com uma piada tão sofisticada, provavelmente de Dijon, eles só se atiravam para a relva em lágrimas. E assim foram passando o tempo, para contentamento culinário do treinador que tinha prometido dar o título ao do outro lado.
— Chorem e rebolem muito, rapazes. Isto está quase!
Com o jogo a dar as últimas, Eduardo mudou de táctica: calou-se muito caladinho e enfiou-se de surra na meia-lua. Aos 93 minutos, num derradeiro pontapé de canto, a bola veio ter com ele, redonda como a maçã com que Eva tentou Adão, para nossa eterna perdição e pecado diário de concupiscência. Cheio de saudades, o rapaz lembrou-se do último treino em casa. Sentiu-se como o marinheiro Popeye a comer espinafres, depois de um prolongado jejum no mar alto. Tirou as medidas aos postes, que lhe pareceram tão familiares como tentadores, e deu à bola uma cacetada carinhosa, com selo de amor e de golo.

— Golo, golo, golo! Eduzinho, Eduzinho, eu não te dizia? Toma banho depressa, que eu já te preparei o jantar de que tu mais gostas.
E foi assim que o derby decisivo ficou resolvido, por antecipação e com dois resultados possíveis. A descarga eléctrica no estádio, do relvado às bancadas, foi tamanha que poucos dias depois provocou um apagão na Península Ibérica, que deixou às escuras todos os grandes estádios, do Riazor ao Mestalla. O inesperado fenómeno inspirou Bruno Lage a fazer, à luz das velas, uma reza a São Narciso e uma premonição histórica.
— Vai ser o jogo do Século.
Pelo sim pelo não, realizou-se ainda de dia e às claras, com os comboios parados e o metro outra vez avariado. Como se tem visto em muito clubes, não é fácil recuperar de um apagão. Victor Gyökeres, que é uma turbina nuclear, apresentou-se ao guarda-redes Trubin a meio gás. Já o capitão Morten Hjulmand, em compensação nórdica de potência, rolou sobre a relva como eólicas em noite de tempestade, com energia para dar e vender caro, quer os clientes queiram ou não.

O árbitro também beneficiou o espectáculo, com intervenções intermitentes, a tentar disfarçar para que lado lhe soprou sempre o vento durante o campeonato. Calhou um jogador do Benfica, em acção de legítima defesa, ficar de braço enrolado ao pescoço do melhor marcador da Europa civilizada. João Pinheiro perdoou a falta e o correspondente cartão vermelho ao avançado, apesar dele, com as cordas vocais, ter agredido em flagrante o cotovelo adversário.
Quanto ao VAR, parecia escondido numa caverna do estádio, à procura de lítio ou outros minérios preciosos. Aos 17 minutos, Nicolás Otamendi aplicou um castigo às canelas do Trincão, dentro da área. Compreensivelmente, o ancião argentino agiu cego de raiva, mas com toda a justiça, porque o craque do Sporting marcou um golo quando ele ainda estava no tempo de aquecimento adequado a esta fase da carreira.

São Narciso não aguentou mais: desligou a televisão, com receio de apagar a luz por sobrecarrega de golos na rede de baliza da casa. Foi uma atitude meritória: poupou electricidade, vai animar a economia mais uma semana e muda a festa para o local certo.
— Juízo, malta. Vocês merecem ser felizes e o Eduardo Mãos Marotas tem de ganhar dois campeonatos seguidos, que está na idade.