RTP, SIC E TVI NÃO DEIXAM ENTRAR MEDIALIVRE NO 'CLUBE'
Guerra na TV: ‘Cartel dos debates’ contestado pela CMTV e Now

A campanha para as legislativas deste domingo de 2025 não tem sido apenas palco de confronto entre partidos – e não há apenas queixas dos partidos sem assento parlamentar. Nos bastidores das televisões, fora do ecrã, travou-se também, nas últimas semanas, uma acesa mas mais discreta guerra, envolvendo audiências, monopólios e acusações de práticas anticoncorrenciais.
A protagonista deste conflito foi a Medialivre — proprietária da CMTV e do canal informativo News Now — que, apesar das crescentes subidas nas audiências, foi liminarmente afastada da organização dos debates eleitorais transmitidos pelas empresas de media com canais generalistas (RTP, SIC e TVI), que também usaram os seus canais por subscrição.

A decisão de exclusão, segundo apurou o PÁGINA UM, partiu da ‘aliança informal’, ao melhor estilo do oligopólio, formada pela RTP, SIC e TVI, que, à semelhança do modelo de 2024, celebrou um acordo com os partidos com assento parlamentar para realizar os tradicionais 28 debates a dois entre os principais candidatos, entre os dias 7 e 30 de Abril. Dos 28 confrontos, 13 foram emitidos nos canais generalistas RTP1, SIC e TVI (incluindo um debate em simultâneo, o mais apetecível, entre Luís Montenegro e Pedro Numo Santos), e os restantes 15 distribuídos pelos seus canais temáticos — RTP3, SIC Notícias e CNN Portugal. Em paralelo, a RTP programou ainda um debate com todas as candidaturas com assento parlamentar (4 de Maio) e outro com as restantes forças políticas (6 de Maio).

Perante este afastamento, a Medialivre recorreu inicialmente à Comissão Nacional de Eleições (CNE), tendo depois apresentado uma queixa formal à Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC), no passado dia 8 de Abril, exigindo uma análise urgente por considerar estar em causa uma “grave violação do pluralismo, da igualdade de tratamento entre operadores e do direito à informação”. Apesar de a Medialivre não deter canais generalistas, a quota de audiência da CMTV este mês está nos 6,3%, superando largamente a SIC Notícias (2,4%) e a CNN Portugal (2,6%). Mesmo o novo canal Now está já com 1,4% em Maio, ultrapassando a RTP3 (1,0%). A Medialivre argumenta que os seus canais possuem “relevância nacional” e capacidade técnica “suficiente para realizar e cobrir debates eleitorais”.
Na sua queixa, a Medialivre acusou os operadores concorrentes – que, embora estejam há muito mais tempo no mercado, não têm tido a mesma capacidade de investimento – de promoverem uma “mercantilização do espaço informativo eleitoral”, trocando o interesse público por lógicas de exclusividade comercial, o que “limita injustificadamente a diversidade de fontes de informação” e marginaliza o papel de outros operadores fora da troika televisiva. E acrescentou ainda que o acordo das televisões generalistas com os partidos configurava uma prática anticoncorrencial, afastando canais que poderiam alargar o alcance e o pluralismo do discurso democrático.
No âmbito do processo aberto pela ERC, as empresas dos canais generalistas (RTP, SIC e TVI) argumentaram que o modelo acordado com os partidos satisfaz “plenamente o interesse público, o pluralismo e a liberdade de expressão”, e que são os únicos canais com sinal aberto, acrescentando ser uma prática “consensual entre os partidos” e repetida em eleições anteriores, mas que não impedia que outros operadores, como a Medialivre, realizassem iniciativas próprias. Em suma, RTP, SIC e TVI claramente não querem um novo ‘menino’ no seu ‘restrito clube’.

A deliberação da ERC, aprovada na semana passada mas apenas divulgada hoje, considerou a queixa da Medialivre “improcedente” – declarando que “não se verificou violação do dever de pluralismo” e que o acordo das televisões generalistas cumpria a lei –, mas reconheceu que a inclusão da CMTV e da Now nos debates “teria contribuído para ampliar o esclarecimento dos cidadãos”, tanto mais que os seus públicos não se sobrepõem inteiramente aos dos canais que organizaram os debates.
No essencial, a ERC não afasta a percepção de que a lógica do ‘clube fechado’ entre os três canais principais continua a moldar o acesso mediático aos grandes momentos da democracia. A exclusão da Medialivre levanta, pois, uma questão maior do que a disputa entre grupos mediáticos: a de saber se, em plena era digital e com novos actores informativos a ganharem expressão e audiência, faz sentido manter os debates eleitorais reféns de acordos restritivos entre partidos e um ‘cartel televisivo’.
Ainda por cima quando, neste oligopólio de comunicação, estão os canais da SIC e da TVI, cujas empresas privadas, embora mais antigas, estão em situações financeiras pouco saudáveis em comparação com a Medialivre, onde Cristiano Ronaldo é o principal accionista individual.