PÁGINA UM ANALISA OS TRINTA MUNICÍPIOS COM MAIOR PRESENÇA RELATIVA DE IMIGRANTES

Chega teve melhor desempenho onde houve mais imigração? A estatística mostra que nem por isso

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Pedro Almeida Vieira|20/05/2025

Em Outubro do ano passado, com base em dados do Instituto Nacional de Estatística (INE), o PÁGINA UM assinalava uma viragem demográfica pouco discutida: em 17 concelhos portugueses, mais de um em cada 10 residentes em 2023 tinha chegado do estrangeiro nos seis anos anteriores.

A partir de saldos migratórios acumulados, esse estudo revelou como a imigração, longe de estar confinada às grandes cidades, estava a moldar profundamente o tecido social de zonas rurais, sobretudo nos distritos de Lisboa, Santarém, Leiria e Faro.

Perante esse contexto, a ascensão eleitoral do Chega e o seu discurso centrado na imigração colocam uma questão inevitável: a crescente presença de imigrantes nesses territórios alimentou directamente o voto no partido liderado por André Ventura no último domingo? Ou seja, terá tido o Chega melhores resultados nos concelhos com maior entrada de estrangeiros?

Para dar resposta a esta interrogação, numa análise estatística robusta mas simplificada para efeitos de uma resposta célere, o PÁGINA UM cruzou os resultados eleitorais das Legislativas de 2025 com os 30 concelhos com maior peso relativo da imigração no período 2018-2023. O critério foi o saldo migratório acumulado nestes seis anos por concelho dividido pela população residente, conforme metodologia utilizada no artigo publicado em 3 de Outubro de 2024.

O resultado, porém, contraria muitas narrativas simplistas: na verdade, não existe prova de qualquer relação estatisticamente significativa entre o peso da imigração e a votação no Chega nestes concelhos. Nem mesmo no sentido oposto — isto é, que maior presença de imigrantes leve a uma rejeição do discurso do partido.

Municípios com maior peso do saldo migratório acumulado entre 2018 e 2023 em função da população residente em 2023 e desempenhos eleitorais do partido Chega Fonte: INE e resultados eleitorais das legislativas de 2025. Análise: PÁGINA UM.

De facto, numa análise directa, até se constata que em 13 dos 30 concelhos com mais imigração o Chega foi o partido mais votado. Estão nesse lote municípios como Benavente (36,2%), Salvaterra de Magos (36,1%), Entroncamento (31,8%) e Azambuja (29,5%). O caso de Odemira, frequentemente apontado como epicentro da presença migrante sazonal no sector agrícola, regista também uma vitória do Chega com 29,6% dos votos. Contudo, o Chega ganhou em 60 municípios, e nos 17 concelhos restantes também com elevadas taxas de imigração — como Lagos, Lagoa, Ponta Delgada, Vila do Bispo, Pedrógão Grande ou Aljezur — o Chega não conseguiu vencer. Em alguns deles, ficou mesmo longe do topo pódio.

Análises demasiado simplistas, de mera estatística descritiva podem dar indicações erróneas. Por isso, para verificar se existe uma tendência global, o PÁGINA UM comparou a média de imigração nos concelhos onde o Chega venceu e onde não venceu. Resultado: 11,15% versus 11,18%, respectivamente. Ou seja, uma diferença praticamente nula. E quando submetidas a teste estatístico formal [ por exemplo, t de Student], essas médias revelam, em linguagem técnica, que não se pode rejeitar a hipótese de que são iguais. Em suma, o voto no Chega, nos concelhos mais marcados pela imigração, não está correlacionado com o peso dessa imigração. Existirão assim outros factores.

Mas o PÁGINA UM foi mais longe nesta análise, criando um Índice de Reacção ao Imigrante (IRI), calculado como a diferença entre a votação do Chega num concelho e a sua média distrital, dividida pelo peso da imigração nesse território. Este índice permite perceber se a votação no Chega esteve desproporcionalmente acima (ou abaixo) do que seria de esperar tendo em conta o contexto regional e migratório.

Se o IRI for superior a 0, o concelho tem uma votação no Chega superior ao padrão distrital, considerando o seu nível de imigração, e interpreta-se como reacção acima do esperado ao fenómeno migratório. Se o IRI for inferior a 0, então é porque o concelho tem uma votação inferior ao padrão distrital, apesar do peso da imigração, devendo-se interpretar como resistência à narrativa anti-imigração ou ausência de capitalização eleitoral.

Aqui, sim, surgem sinais de assimetrias interessantes. Municípios como Azambuja (IRI = 0,96), Benavente (0,83) e Lourinhã (0,78), mais próximos da capital portuguesa, destacam-se por apresentarem uma votação superior à média distrital do Chega apesar da elevada imigração — o que sugere uma potencial mobilização específica contra este fenómeno. Salvaterra de Magos, Alenquer, Vagos e Sabugal apresentam valores de IRI superior a 0,5.

Pelo contrário, concelhos como Aljezur (−0,63), Vila do Bispo (−0,55), Pedrógão Grande (−0,34), Alpiarça (−0,33) e Vila de Rei (−0,30) mostram uma votação inferior ao esperado, mesmo com presença significativa de imigrantes.

Equação do Índice de Reacção ao Imigrante aplicado à votação do Chega, criado pelo PÁGINA UM para aferir a eventual capitalização de votos para o partido de André Ventura em função dos fenómenos migratórios recentes.

Para clarificar os perfis eleitorais, aplicou-se ainda uma análise de clusters (agrupamento de padrões), e assim os 29 concelhos (excluindo o Corvo, considerado um ‘outlier’, pela sua pequena dimensão) foram divididos em três grupos, cruzando percentagem de imigração com votação no Chega. O resultado foi revelador: alguns concelhos conjugam imigração alta com fraca adesão ao Chega, outros combinam imigração média com votação intensa, e há ainda concelhos onde a correlação é mais ténue ou inexistente.

Ou seja, a ligação directa entre presença de imigrantes e crescimento do Chega, tantas vezes invocada em debates mediáticos e políticos, não encontra confirmação em dados concretos, embora se recomende uma análise em que sejam testados todos os municípios. Na verdade, aquilo que se observa é um fenómeno mais complexo e multifactorial, onde o contexto económico, a oferta de serviços públicos, a tradição política local e até a visibilidade de episódios pontuais de conflito ou exploração laboral pesarão, porventura, mais do que a mera estatística demográfica.

No fundo, a realidade aponta para a desmistificação de que o crescimento do Chega é um reflexo directo e imediata da chegada de imigrantes. E mais uma vez, os números mostram aquilo que os discursos não revelam: a política, mesmo quando populista, é mais complexa do que parece.

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