SEGURANÇA SOCIAL QUER RECEBER 9,4 MILHÕES DE EUROS EM DÍVIDAS

Trust in News: Cada vez mais próximo da prisão, Luís Delgado ainda arrisca processo por insolvência dolosa

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Elisabete Tavares e Pedro Almeida Vieira|21/05/2025

Encurralado pela Justiça, Luís Delgado, dono e gerente da Trust in News (TIN), encontrou no plano de insolvência para a sua empresa de media o ‘bilhete’ para tentar salvar-se da prisão e também de processos de execução que tem ‘à perna’. O plano de insolvência da TIN, dona das revistas Visão e Exame, já terá colhido o apoio dos principais credores — a Autoridade Tributária e a Segurança Social —, mas aguarda ainda a ‘luz verde’ do Tribunal.

Mas o empresário e comentador político ainda não está a salvo de ainda ser acusado de insolvência dolosa por prejudicar credores, uma vez que o passivo da Trust in News, com um capital social de apenas 10 mil euros, supera já os 30 milhões de euros. Para ser processado por insolvência dolosa, punida com uma pena até cinco anos de prisão, será necessário previamente que o Tribunal considere que houve uma “insolvência culposa”. Ora, a juíza do processo de insolvência concedeu, no passado dia 14, mais seis meses para serem apresentadas provas que indiciem culpa dos gerentes no descalabro financeiro do grupo que detém mais de uma dezena e meia de títulos de media.

Luís Delgado na audição parlamentar de 18 de Dezembro de 2024 sobre a situação em que se encontra o grupo de media. Foto: Captura de imagem a partir de um vídeo da audição

Uma das várias dúvidas sobre a contabilidade da TIN prende-se com a existência de cerca de 14 milhões de euros em activos que Luís Delgado atribui a receitas futuras. Esse montante está registado na rubrica “Outras contas a receber”, subsistindo dúvidas quanto à sua correspondência a um activo real, ou seja, que possa efectivamente ser convertido em receitas — e, em última instância, em dinheiro. Caso não tenha existência real, esta rubrica terá apenas servido para ‘embelezar’, nos últimos anos, a calamitosa situação financeira do grupo, uma vez que evitava o reconhecimento de resultados líquidos negativos da ordem dos milhões de euros.

O pedido de prolongamento do prazo foi iniciativa do actual administrador judicial, como medida de cautela e prevenção, já que ainda não há nenhum plano de insolvência aprovado. Com a eventual aprovação do plano, o administrador judicial não deverá, por agora, recorrer a essa figura legal. Contudo, permanecerá sempre aberta para os credores lesados.

Em paralelo, as grades estão mais próximas de Luís Delgado por outra via. Como o PÁGINA UM noticiou em Setembro do ano passado, o antigo jornalista e os outros dois gerentes da Trust in News, viram o Tribunal da Relação confirmar a condenação a uma “pena de 2 anos e 1 mês de prisão” pelo crime de crime de abuso de confiança fiscal, mas suspensa por cinco anos sob condição de “pagamento da dívida”.

Revista Visão (Foto: PÁGINA UM)

Luís Delgado compartilha a gerência com Cláudia Serra Campos. Um terceiro membro, Luís Mendes Passadouro, renunciou em 15 de Abril de 2023, mas o facto só foi registado oficialmente no dia 9 de Dezembro de 2024. Em todo o caso, na ficha técnica continuam os três referidos como gerentes, o mesmo sucedendo no Portal da Transparência dos Media, sob gestão da Entidade Reguladora para a Comunicação Social. A passividade e mesmo conivência do regulador dos media na evolução financeira da TIN tem sido, aliás, manifesta.

A pena de prisão refere-se, contudo, apenas a uma pequena parcela (828 mil euros) das dívidas fiscais TIN, constituída em Dezembro de 2017, para comprar as publicações ‘tóxicas’ da Impresa, dona do Expresso e da SIC, que já se encontrava em dificuldades financeiras. Após a decisão do Tribunal da Relação, o PÁGINA UM sabe que já transitou em julgado e o processo retomou ao Tribunal Judicial de Lisboa Oeste para a aplicação da sentença.

Luís Delgado (à esquerda) ficou com o portfólio de revistas da Impresa, activos que se revelaram tóxicos. O valor acordado foi de 10,2 milhões de euros, tendo o Novo Banco estranhamente financiado a arriscada operação. Agora, o comentador e dois outros gerentes da Trust in News arriscam pena de prisão por abuso de confiança fiscal e pelo crime de abuso contra a Segurança Social. (Foto: D.R.)

E o cerco aperta porque, entretanto, como confirmou o PÁGINA UM no portal Citius, corre desde Fevereiro deste ano, um recurso de Luís Delgado, Cláudia Serra Campos e Luís Mendes Passadouro junto do Tribunal Tributário para tentar contrariar uma execução do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social por dívidas da Trust in News no montante de mais de 9,4 milhões de euros por não pagamento de comparticipações à Segurança Social.

Além disso, Luís Delgado enfrenta pelo menos um outro processo de execução, accionado pela gestora do Taguspark, a empresa QDF, onde a Trust in News tem a sua sede e as publicações. Em causa está uma dívida de 85.435,29 euros respeitante a rendas não pagas.

O processo de insolvência da Trust in News é, assim, a derradeira tábua de salvação não tanto das revistas do grupo mas sobretudo do próprio Luís Delgado, que está a tentar não haver execução das dívidas que, em caso de não serem pagas, resultarão em prisão efectiva. Recorde-se que o processo de insolvência arrasta-se desde finais de Novembro do ano passado, tendo que o administrador judicial encontrado uma situação de limite, em que até as receitas correntes do mês já estão ‘cativadas’ para pagar despesas dos meses anteriores, através do serviço de ‘factoring‘).

Luís Delgado recorreu, em Fevereiro deste ano, junto do Tribunal Tributário de Lisboa, de um processo de execução da Segurança Social por dívidas da Trust in News. / Imagem do portal Citius
A Qdf, SA, que gere a Quinta da Fonte, onde se situa a sede da Trust in News, executou Luís Delgado por uma dívida de 85.435,29 euros relativa a rendas da Trust in News. / Imagem do portal Citius

Luís Delgado anunciou, entretanto, um plano de insolvência que, segundo a imprensa, terá a aprovação por parte dos principais credores, a Autoridade Tributária e a Segurança Social. O plano envolverá o pagamento em prestações das dívidas ao Fisco e à Segurança Social e uma injecção faseada no grupo num valor até 1,5 milhões de euros por parte de Luís Delgado.

Esta aprovação ainda não é conhecida formalmente e falta a homologação da eventual aprovação do plano de insolvência da Trust in News por parte da juíza do processo, Diana Campos Martins.

Com todo este histórico, resta saber como vai ser financiada esta injecção milionária prometida pelo accionista único da TIN, já que o grupo não tem acesso a crédito e Luís Delgado está sob acções de execução e arrisca mesmo um prisão efectiva. Além disso, o seu património pessoal é reduzido.

Levantamento do Novo Banco ao património de Luís Delgado e às suas empresas.

Segundo uma análise do Novo Banco, elaborada para avançar com uma possível penhora, Luís Delgado apenas terá, em seu nome, um “duplex com arrecadação na cave e logradouro, com uma área de 47,68 metros quadrados” na freguesia de Alcântara, em Lisboa, com um valor global de 500 mil euros. Mas está já sob hipoteca e penhora.

Pelo meio, subsiste a dúvida sobre se prosseguem na Justiça outros processos pendentes contra os gerentes da TIN por abuso fiscal e de Segurança Social, os quais, a prosseguir, resultarão, provavelmente, em novas condenações dos gerentes do grupo de media.

N.D. O PÁGINA UM foi o primeiro órgão de comunicação social a alertar para a dívida astronómica da TIN ao Estado e a expor a situação financeira grave em que a empresa de encontrava já em 2023. Na altura, Mafalda Anjos, então directora da Visão, rotulou os artigos do PÁGINA UM como “fantasiosos”. Leia todas as notícias e artigos sobre a crise na TIN (AQUI, AQUI e AQUI).

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