AUTOR DO PROGRAMA 'CONTAS POUPANÇA' TORNOU AS FINANÇAS PESSOAIS UM NEGÓCIO

Pedro Andersson multado por actividade publicitária incompatível com o jornalismo

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Pedro Almeida Vieira|22/05/2025

O jornalista Pedro Andersson, rosto bem conhecido da SIC pelas suas reportagens sobre poupança e finanças pessoais, foi sancionado pela Comissão da Carteira Profissional de Jornalista (CCPJ) com uma coima de 200 euros por violação do Estatuto do Jornalista, nomeadamente por exercer “funções de angariação, concepção ou apresentação de mensagens publicitárias”.

Esta prática é expressamente proibida para quem mantém o título profissional de jornalista, por comprometer a independência e imparcialidade que devem nortear a actividade.

Pedro Andersson num workshop organizado pela autarquia de Cabeceiras de Basto no passado dia 16. Foto: CMCB.

A sanção, ainda que de valor simbólico — e claramente abaixo dos mínimos legais, que fixam as coimas entre 500 e 5.000 euros —, é, por si só, um gesto pouco comum e de forte carga simbólica. Além disso, reveste-se de carácter infamante num meio que, apesar de cada vez mais permeável a relações comerciais e patrocinadas, continua, pelo menos na letra da lei, a reclamar uma independência estrita face a entidades económicas.

A informação da sanção consta do registo público de contra-ordenações da CCPJ, tendo sido aplicada no mês passado, mas nem Pedro Andersson nem o próprio órgão de disciplina profissional responderam aos pedidos de esclarecimento dirigidos pelo PÁGINA UM. Ignora-se, assim, quais os factos concretos que fundamentaram esta pouco comum sanção, ainda mais relevante por se tratar de um jornalista conhecido.

Contudo, segundo apurou o PÁGINA UM, o processo contra Andersson foi iniciado em 2024, ainda sob o mandato do anterior Secretariado da CCPJ, presidido por Licínia Girão, e a decisão final coube já ao actual Secretariado, cuja liderança permanece interina, dado o impasse na eleição de um novo presidente. Em todo o caso, Pedro Andersson tem tido uma intensa actividade extra-jornalística, promovendo podcasts e workshops, que podem ser considerados como tendo uma componente comercial. Além disso, é autor de diversos livros de literária e aconselhamento financeiro,com grande sucesso editorial, embora essa actividade não seja incompatível com o jornalismo, estando enquadrada nos direitos de autor.

Pedro Andersson / Foto: D.R.

De acordo com o Estatuto do Jornalista, é considerada incompatível com o exercício da profissão qualquer actividade de natureza publicitária. Este diploma especifica ainda que constitui violação a “angariação, concepção ou apresentação de mensagens publicitárias” e, de forma mais subtil mas igualmente punível, o “recebimento de ofertas ou benefícios que, não identificados claramente como patrocínios concretos de actos jornalísticos, visem divulgar produtos, serviços ou entidades através da notoriedade do jornalista”. Isto aplica-se mesmo quando não há um pagamento explícito, bastando que a acção do jornalista consubstancie um acto de marketing.

A actividade pública de Pedro Andersson tem sido, aliás, frequentemente alvo de críticas — ainda que sem consequências disciplinares até agora — pelo modo como apresenta produtos financeiros e serviços bancários nas suas reportagens e nas plataformas digitais associadas ao seu nome. No seu site pessoal Conta Corrente, com ligações directas a conteúdos publicados pela SIC e por outros órgãos do grupo Impresa, Andersson declara que ali se exprime como “consumidor” e não apenas como jornalista. Reivindica, por isso, o direito de falar de “marcas, serviços e pessoas” quando considerar útil, assegurando que nenhum artigo é patrocinado.

“Para mim isso não é publicidade — é informação útil”, escreve Andersson, defendendo que elogia ou critica empresas apenas com base na sua utilidade para os consumidores. Apesar disso, o próprio Estatuto do Jornalista é claro: a noção de publicidade incompatível com o jornalismo não se restringe ao patrocínio explícito, abrangendo qualquer forma de divulgação que possa beneficiar terceiros através da notoriedade do jornalista.

O jornalista num workshop sobre finanças pessoais, no El Corte Inglés de Gaia, em Janeiro de 2024. / Foto: D.R.

Mesmo após a multa, Pedro Andersson continua a constar na base de dados da CCPJ como titular do título profissional de jornalista. No entanto, a lei determina que, verificada uma incompatibilidade — como sucede neste caso —, o jornalista “fica impedido de exercer a respectiva actividade” e “deve depositar o seu título de habilitação”, que só poderá ser devolvido mediante prova da cessação da situação que motivou a incompatibilidade.

Em relação à apresentação de mensagens publicitárias, o Estatuto impõe um período mínimo de afastamento de seis meses e exige que o jornalista demonstre, documentalmente, que cessou qualquer vínculo de cedência da sua imagem, voz ou nome a entidades promotoras de publicidade.

Não é claro, neste momento, se Pedro Andersson entregou o seu título profissional — como seria legalmente exigível — nem se a CCPJ, que aplicou a sanção, fiscalizou o cumprimento dessa obrigação. Tal silêncio contrasta com o dever de transparência e rigor a que está obrigada a CCPJ, sobretudo num caso que envolve um jornalista com forte presença pública e que actua precisamente num domínio sensível como o da literacia financeira, onde a confiança do público é particularmente crítica.

Pedro Andersson apresenta o programa ‘Contas Poupança’ na SIC e é autor de diversos livros sobre finanças pessoais. / Foto: Captura de imagem de vídeo de um programa ‘Contas Poupança’

O caso Andersson reacende, assim, o debate sobre os limites entre jornalismo e marketing, num tempo em que a promiscuidade entre informação e promoção comercial se torna cada vez mais difícil de detectar — e, talvez por isso mesmo, mais necessária de sancionar. Ao aplicar uma sanção, mesmo modesta, a CCPJ reconhece formalmente que Pedro Andersson ultrapassou essa linha.

Fica, agora, por esclarecer se a resposta institucional estará à altura da gravidade legal do acto praticado, ou se o caso será abafado sob o pretexto do serviço público. Afinal, o que está em causa não é apenas a conduta de um jornalista, mas a credibilidade de uma profissão já fragilizada por excessivas cedências e promiscuidades.

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