26 MILHÕES DE EUROS INCLUI CONTRATOS DE DUVIDOSA UTILIDADE

Osaka 2025: invisibilidade mediática mas com despesas generosas… e estranhas

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Pedro Almeida Vieira|23/05/2025

Discreta, mas generosa na despesa — assim se pode descrever a participação portuguesa na Exposição Mundial de Osaka, no Japão, organizada pela Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal (AICEP). Para resolver a questão da invisibilidade mediática, a AICEP contratou ontem os serviços de assessoria da agência JLM – João Líbano Monteiro & Associados, por 19.500 euros. Já no que respeita ao despesismo, a solução não será tão simples.

Inaugurada a 13 de Abril e a decorrer até Outubro deste ano, a Expo 2025 realiza-se na ilha artificial de Yumeshima, na região japonesa de Kansai. Embora tenha passado praticamente despercebida à opinião pública nacional, a representação portuguesa já consumiu mais de 20 milhões de euros com IVA incluído. Segundo informação oficial da AICEP, o valor total da participação deverá rondar 25,83 milhões de euros (correspondentes a 21 milhões acrescidos de IVA), conforme autorizado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 149/2022, do governo de António Costa.

O principal encargo individual é um contrato de 13,6 milhões de euros, adjudicado à empresa japonesa Rimond Japan para a concepção, construção, manutenção e desmontagem do Pavilhão de Portugal. Este contrato, lançado por concurso público, absorve mais de 70% da despesa já contratualizada. Recorde-se que, em 2023, a escolha do arquitecto japonês Kengo Kuma — preterindo arquitectos portugueses — foi alvo de críticas da Ordem dos Arquitectos, que sublinhou tratar-se da primeira vez que um pavilhão nacional numa Expo Mundial não teria assinatura portuguesa. O edifício concebido pelo arquitecto japonês destaca-se sobretudo pelas cerca de 10 mil cordas suspensas e redes recicladas, num total de mais de 60 toneladas, que compõem uma fachada translúcida que reage à luz e ao vento, remetendo para a fluidez das ondas.

No interior, o pavilhão divide-se em dois núcleos complementares: um dedicado à partilha de conhecimento, onde se explora a relação histórica entre Portugal e o Japão desde os primeiros contactos marítimos há quase cinco séculos, e outro centrado na inovação e na sustentabilidade, com destaque para projectos e tecnologias que promovem a protecção dos oceanos e o uso responsável da energia. Apenas com projecções e jogos de luzes, há outra coisa que se destaca na exposição: as mensagens surgem apenas em japonês e em inglês. A língua portuguesa ficou à porta. Camões e Fernando Pessoa ‘estrebucham’.

Acrescem outros encargos vultuosos associados à obra, com destaque para os 407.590 euros destinados à empresa Vítor Hugo – Coordenação e Gestão de Projectos, responsável pela fiscalização da obra; 29.300 euros à 3dLab – Comunicação e Gestão de Imagem, encarregue dos módulos expositivos da sala multiusos; e 42.000 euros pagos à Associação Nacional das Indústrias de Vestuário e Confecção para o fardamento oficial dos trabalhadores.

Kenga Kuma, arquitecto japonês revistiu o pavihão português com cerca de 10 mil cordas.

O contrato com a GL Events Japan também se destacam pelo valor: 1,29 milhões de euros para a operação e apoio técnico ao pavilhão durante os seis meses da exposição. Porém, poucos dias depois da celebração deste contrato, foi celebrado outro, no valor de 322.500 euros, adjudicado por ajuste directo e sem contrato escrito, alegando-se “urgência imperiosa”. Segundo a AICEP, este segundo contrato visou garantir o arranque inadiável do pavilhão, dada a exigência de pessoal fluente em japonês e inglês, porque houve atrasos na tramitação do contrato principal junto do Tribunal de Contas. No entanto, a AICEP garante que não haverá duplicação de pagamentos.

No que respeita ainda ao funcionamento do pavilhão, foram ainda adjudicados 222 mil euros com IVA à empresa Francisco Pestana Unipessoal para fornecimento de merchandising, e dois contratos à Nippon Express Portugal, totalizando 97.000 euros em serviços logísticos.

A vertente cultural da presença portuguesa, embora ainda sem programa final conhecido, já motivou diversos contratos. A concessão do restaurante português foi entregue à empresária Hazuki Shioya por 63.080 euros. Na música, a empresa Aruada recebeu 38.000 euros para assegurar a actuação de Dino D’Santiago e Branko. Seguem-se contratos com o japonês Kazufumi Tsukimoto (40.390 euros) — conhecido como TUMI e promovido como embaixador do fado no Japão —, André Pimenta e Casa Nic e Inês (17.500 euros), Rute Marcão e Leonor Wagner (13.500 euros) e Bruno Pernadas e José Soares (12.500 euros).

Na curadoria arquitectónica, a AICEP contratou Alexandre Vicente por 18.000 euros para a exposição Related Paths & Architects, e Carlos Quintãs Eiras por 11.000 euros para coordenar a mostra dedicada a Siza Vieira. Uma exposição de design gráfico foi adjudicada à empresa Barbassays, por 9.990 euros.

Com a “procissão ainda no adro”, há contratos que causam estranheza. Apesar da presença permanente da AICEP no Japão e da existência de dois representantes na embaixada portuguesa em Tóquio, a agência pública contratou o advogado Luís Verde de Sousa, actual presidente do Conselho de Justiça da Federação Portuguesa de Futebol, para prestar “consultoria jurídica em contratação pública”. Os dois contratos por ajuste directo com este jurista somam quase 115 mil euros com IVA.

Também o contrato com a Ernst & Young (EY), no valor de 192 mil euros com IVA, suscita dúvidas. A AICEP justifica a contratação com a ausência de conhecimentos internos sobre legislação fiscal japonesa. Porém, a agência tem experiência acumulada no país e dispõe de um departamento de contabilidade habituado a processar despesas internacionais. A contratação externa abrange relatórios mensais de contabilidade analítica, demonstrações financeiras, controlo de royalties e outros indicadores financeiros.

Apesar das críticas e dos valores elevados, a AICEP insiste que “cumpriu plenamente os princípios da contratação pública” e que todos os contratos estão sujeitos a controlo do Tribunal de Contas. Uma coisa parece certa, em suma: a Expo 2025 Osaka, embora ainda mal conhecida em Portugal, está já a marcar presença no erário público. E a factura — para já — já vai longa. Mas, com os serviços do assessor João Líbano Monteiro, talvez se convençam os portugueses do contrário.

N.D. Sobre a ausência da língua portuguesa no pavilhão de Portugal em Osaka, leia aqui o editorial.

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