EMPRESA LIGADA A FAMILIARES DE MINISTRO GANHOU CONTRATO DE 16 MILHÕES EM ABRIL

Cartel dos fogos: Força Aérea já gastou este ano mais de 181 milhões no aluguer de meios aéreos

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Elisabete Tavares|29/05/2025

Onde há fumo há fogo. E onde há contratos chorudos ganhos pelas mesmas empresas de sempre, há suspeitas de corrupção e cartelização. No caso da indústria de combate aos incêndios rurais, só o negócio de aluguer de meios aéreos já envolveu, desde o início do ano, 16 contratos de valor global superior a 181 milhões de euros.

Estes contratos são adjudicados pelo Estado-Maior da Força Aérea e o ‘bolo’ tem sido dividido por meia dúzia de empresas, incluindo a Agro-Montiar, uma subsidiária da empresa espanhola Titan (ex-Avialsa), condenada este ano em Espanha no âmbito do processo do ‘Cartel del Fuego’, como o PÁGINA UM noticiou em primeira mão, em Março passado.

Foto: D.R.

Não surpreende assim que a Polícia Judiciária (PJ) tenha hoje executado 28 mandados de busca a domicílios, sedes de empresas (não identificadas) e organismos públicos numa operação policial que decorreu de norte a sul do país. A operação ‘Torre de Controle’, levada a cabo pela “Unidade Nacional de Combate à Corrupção, em inquérito titulado pelo DCIAP”, segundo o comunicado da PJ, já levou à constituição de diversos arguidos, entre “pessoas singulares e coletivas”.

Segundo a PJ, “em causa estão factos suscetíveis de integrar os crimes corrupção ativa e passiva, burla qualificada, abuso de poder, tráfico de influência, associação criminosa e de fraude fiscal qualificada, através de uma complexa relação, estabelecida pelo menos desde 2022, entre várias sociedades comerciais, sediadas em Portugal, e que têm vindo a controlar a participação nos concursos públicos no âmbito do combate aos incêndios rurais em Portugal, no valor de cerca de 100 milhões de euros”.

O esquema criminoso envolverá, alegadamente, “concursos públicos [que] incidem na aquisição de serviços de operação, manutenção e gestão da aeronavegabilidade dos meios aéreos próprios do Estado, dedicados exclusivamente ao Dispositivo Especial de Combate a Incêndios Rurais (DECIR), com a intenção de que o Estado português fique com carência de meios aéreos e, dessa forma, se sujeite aos subsequentes preços mais elevados destas sociedades comerciais”.

Foto: D.R.

Ora, só este ano, num levantamento do PÁGINA UM, os contratos referentes a aluguer de meios aéreos no âmbito do DECIR superam os 181 milhões de euros, valor ao qual há que ser acrescentado o IVA. Foram sete as empresas que beneficiaram destes contratos: Agro-Montiar, Helibravo Aviação, HTA Helicópteros, Gesticopter Operations Unipessoal ligada a familiares do ministro da Presidência, conforme revelou a SIC Notícias , Airworks Helicopters, Avincis Aviation Portugal e Shamrock.

A empresa que mais facturou este ano com estes contratos foi a Agro-Montiar, subsidiária da Titan, que ganhou mais de 59 milhões de euros através de três contratos obtidos através de concurso público, como o PÁGINA UM noticiou em Março.

Segue-se a Helibravo, que facturou mais de 47 milhões de euros em quatro contratos ganhos num concurso público, segundo uma análise do PÁGINA UM, que consultou os contratos. A empresa ganhou três lotes daquele concurso, tendo os contratos sido assinados a 4 de Abril.

Um dos contratos, no montante de 12.860.005,40 euros, diz respeito ao aluguer de cinco helicópteros ligeiros por um período de quatro anos, no âmbito do dispositivo aéreo do DECIR 2025-2028. Um segundo lote, no valor de 13.241.995 euros, abrange o aluguer de mais cinco helicópteros ligeiros pelo mesmo período. Um terceiro lote ganho pela empresa, no montante de 13.292.000 euros, envolve o aluguer de outros cinco helicópteros ligeiros, até 2028.

Helicóptero da Helibravo em operações de combate a incêndios. (Foto: D.R.)

A Helibravo ganhou ainda um quarto contrato por concurso público, assinado no passado dia 7 de Maio, no valor de 7.737.201,12 euros para a locação de quatro helicópteros ligeiros no período de 15 de Maio a 30 de Setembro até 2027.

A terceira empresa que mais facturou este ano com contratos no âmbito do aluguer de meios aéreos para o combate aos fogos é a HTA que já ganhou quatro contratos que superam os 37 milhões de euros.

Três dos contratos foram obtidos num concurso público, tendo a assinatura dos documentos ocorrido a 13 de Março. O primeiro contrato, para o aluguer de dois helicópteros ligeiros até 2027, custou ao Estado 11.156.959,52 euros. O segundo, no valor de 2.951.546,87 euros, visou o aluguer de um helicóptero ligeiro de 1 de Junho a 31 de Outubro, até 2027. O terceiro contrato, no montante de 9.230.447,18 euros, assinado na mesma data, é relativo à locação de três helicópteros ligeiros até 2027. Esta empresa ganhou ainda um quarto contrato, no dia 2 de Abril, no valor de 13.807.929,20 euros, mas o documento não é público.

A Gesticopter teve ligações a um irmão e a um cunhado do ministro da Presidência, António Leitão Amaro. / Foto: D.R.

Outra empresa beneficiada, foi a Gesticopter, que, segundo a SIC Notícias, tem ligações a um irmão e a um cunhado do ministro da Presidência, António Leitão Amaro. Esta empresa facturou 16.375.617 euros num contrato assinado no passado dia 7 de Maio e que envolve a locação de três helicópteros pesados até 2027.

A Gesticopter foi constituída a 8 de Março de 2024 com um capital social de apenas cinco mil euros, com sede em Macedo de Cavaleiros. A empresa era detida pela Gestifly e tinha três gerentes: Pedro Alexandre Fernandes dos Santos Bento, Nuno Alexandre Pinto Coelho Torres de Faria e Luís Manuel Gil Pires Ferreira.

Mas, no passado dia 8 de Abril, a totalidade das quotas passou para as mãos da espanhola Helifinance Asset Management, com sede em Madrid, e mudou a sede para Monfortinho, Castelo Branco, segundo o registo consultado pelo PÁGINA UM.

Outra empresa que não se pode queixar é a espanhola Airworks, com sede em Salamanca, que ganhou este ano dois contratos de aluguer de meios aéreos para combate aos incêndios. O primeiro, datado de 12 de Março, no valor de 5.671.680 euros, é relativo à locação de dois helicópteros ligeiros até 2027. O segundo, no montante de 10.060.864 euros, foi assinado a 2 de Abril, e visa o aluguer de quatro helicópteros ligeiros até 2028.

Segue-se a Shamrock, com sede em Carnaxide, que facturou 2.988.000 euros num contrato adjudicado no passado dia 7 de Maio relativo ao aluguer de dois aviões ligeiros de reconhecimento até 2027.

Por fim, o contrato mais recente, assinado no dia 8 de Maio, que foi adjudicado à Avincis Aviation Portugal, com sede em Loures, com um valor de 2.349.937,08 euros. Este contrato visa a locação de um helicóptero ligeiro de 15 de Maio a 15 de Outubro até 2027.

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