PARCERIA É AFINAL UMA PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DE 147 MIL EUROS

Carlos Moedas volta a ser ‘cabeça de cartaz’ em evento pago pela Câmara de Lisboa à Medialivre

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Pedro Almeida Vieira|03/06/2025

Vira o disco e toca o mesmo. Para cumprir a segunda parte de um contrato de prestação de serviços de 147 mil euros pagos pela Câmara Municipal de Lisboa à Medialivre — a empresa de media detentora do Correio da Manhã e da CMTV, e que tem Cristiano Ronaldo como principal accionista individual —, mais uma vez Carlos Moedas, o edil social-democrata que se recandidatará a novo mandato, foi o cabeça-de-cartaz. Mas com uma ‘nuance’: ao contrário da primeira sessão, em que o presidente da autarquia discursou longos 25 minutos no início, desta vez foram 15 minutos na sessão de encerramento. Para aparecer a discursar nos canais em directo da Medialivre, sem sequer dar assento à oposição, Carlos Moedas ‘passou um cheque’ de quase 75 mil euros por sessão.

O tema da conferência desta terça-feira foi a imigração. Sob o título “De todos os lugares, uma só cidade”, o evento decorreu no Centro de Informação Urbana de Lisboa (CIUL) e inseriu-se no ciclo “Uma Cidade para Todos”, apresentado como iniciativa do Correio da Manhã e da CMTV, em parceria e com o apoio da Câmara de Lisboa. No entanto, como o PÁGINA UM revelou na semana passada, essa “parceria” foi, na verdade, um contrato de prestação de serviços no valor de 147.600 euros, IVA incluído, celebrado com a Medialivre para dois eventos — o de hoje e o anterior, realizado a 27 de Maio, sobre segurança.

Daniela Polónia, jornalista da CMTV (à esquerda), chamando ao palco esta manhã o ministro da Presidência, Leitão Amaro, para discursar: eis um nova ‘atribuição’ dos jornalistas em contratos de prestação de serviços para autarquias.

Com o espaço e a logística assegurados também pela própria Câmara Municipal, o evento foi assim uma mera prestação de serviços que envolveu três jornalistas da Medialivre: Carlos Rodrigues (CP 1575), director-geral editorial, que deu as boas-vindas; Daniela Polónia (CP 6296), pivot da CMTV, que actuou como mestre-de-cerimónias; e João Ferreira (CP 802), jornalista sénior, que moderou, mais uma vez, os dois painéis da conferência.

O contrato assinado pelo vereador Filipe Anacoreta Correia estipula que a Medialivre se obrigava a realizar os eventos, fornecendo meios técnicos e humanos, incluindo jornalistas, a troco de 73.800 euros por sessão. Não houve qualquer referência explícita, durante a conferência, à existência de contrato ou ao pagamento envolvido.

Aliás, ainda no mês passado, a ERC considerou numa deliberação que se estava perante publicidade a realização de dois eventos do género pagos ao Público pela autarquia de Penafiel e pela Ordem dos Médicos Dentistas, que tinham sido moderados pelo actual director do Público, David Pontes.

Para discursar em dois eventos, sobre segurança e imigração, em instalações da própria Câmara Municipal de Lisboa, Carlos Moedas pagou, com dinheiros públicos e em vésperas de eleições autárquicas, quase 150 mil euros à Medialivre.

No caso dos eventos pagos pela autarquia  de Lisboa à Medialivre, as declarações das duas partes envolvidas são sempre no sentido de  se ter tratado de uma parceria, dando a entender que houve distribuição de custos. Ora, não houve: os custos do evento foram da Câmara, que forneceu mesmo o local, e ainda pagou à Medialivre. Em rigor jurídico e técnico, não se deve falar de “parceria” quando há uma relação contratual em que uma das entidades paga à outra uma contraprestação em dinheiro por um serviço prestado. Nesses casos, trata-se de uma relação comercial ou contratual de prestação de serviços, e não de uma parceria no sentido próprio.

Esta omissão, recorrente nos media, esbate a fronteira entre jornalismo e promoção institucional, colocando em causa o Estatuto do Jornalista, que proíbe actos publicitários ou de natureza comercial por parte de profissionais com carteira. A instrumentalização de jornalistas da Medialivre nestes eventos representa, além de uma violação legal, um caso flagrante de promiscuidade entre o poder político e certos grupos de media.

Destaque-se que o Estatuto do Jornalista considera mesmo “actividade publicitária incompatível com o exercício do jornalismo a participação em iniciativas que visem divulgar produtos, serviços ou entidades através da notoriedade pessoal ou institucional do jornalista, quando aquelas não sejam determinadas por critérios exclusivamente editoriais”. Ou seja, havendo uma obrigação contratual – em que a troco de dinheiro tem de haver presença de jornalistas –, deixam de existir critérios exclusivamente editoriais, caindo-se na publicidade.

João Ferreira, pela segunda vez no espaço de sete dias, o jornalista fez o papel de moderação em debates. O problema não é a moderação, que é permitida por lei, mas sim a moderação para efeitos de cumprimento de cláusulas comerciais pela sua entidade empregadora (Medialivre).

O convidado principal da sessão desta terça-feira foi, desta vez, António Leitão Amaro, ministro da Presidência, que aproveitou o palco para fazer o balanço do primeiro ano de governação na área das migrações. “A capacidade de liderança é ser capaz de ver à frente e agir”, afirmou, destacando o Plano Nacional de Acção para as Migrações apresentado há precisamente um ano. Na sua intervenção, afirmou que o Governo anterior “não compreendeu nem respondeu” à nova realidade demográfica, criando espaço para respostas radicais e desumanizantes. Em contraste, assegurou que a actual governação combina “mudança firme” com “humanismo moderado”.

Carlos Rodrigues, director editorial do Correio da Manhã e da CMTV, que abriu a sessão desta terça-feira com uma breve intervenção, enviou esta tarde ao PÁGINA UM um pedido de direito de resposta relativo à notícia publicada na semana passada. O texto será publicado na íntegra amanhã, em cumprimento dos prazos da Lei de Imprensa, que determina que, se a publicação for diária, terá de o divulgar “dentro de dois dias a contar da recepção”.

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