PÁGINA UM REVELA EVOLUÇÃO DAS VENDAS EM PAPEL E ASSINATURAS NOS ÚLTIMOS 30 ANOS
Correio da Manhã, Público, JN, DN e Expresso em colapso: vendas em mínimos históricos

Os resultados do primeiro trimestre deste ano, divulgados na semana passada pela Associação Portuguesa para o Controlo de Tiragem e Circulação (APCT), voltam a comprovar aquilo que os ‘barões da imprensa’ persistem em negar com a habitual táctica da avestruz: escondem a cabeça nos slogans sobre “transformações digitais”, “modelos sustentáveis” e “novas formas de chegar ao leitor”, enquanto o corpo editorial se afunda no pântano da irrelevância.
A verdade, nua e crua, é esta – e é tão clara quanto dramática: a imprensa escrita generalista portuguesa colapsou. Os números não mentem. São mais de duas décadas de declínio contínuo, mascarado por anúncios piedosos e relatórios internos que já ninguém leva a sério.

Em 2025, nem os comunicados eufemísticos do trust da comunicação social, nem os generosos orçamentos de publicidade institucional, nem sequer o ‘balão de oxigénio’ do Governo – travestido de distribuição gratuita de assinaturas digitais para os jovens – conseguem disfarçar o desastre. A erosão é estrutural e terminal.
A evolução das vendas em banca – com quebras brutais em todos os títulos – e das assinaturas digitais – com valores unitários largamente inferiores aos do papel e sem escala de massa crítica – espelham o fim de um modelo baseado na fuga para a frente: redacções inexperientes, pouco cultas, reféns de agendas e compromissos, divorciadas dos leitores e cada vez mais promíscuas nas relações com o poder político e económico.
Mais do que um fim de ciclo, talvez este seja mesmo o fim de linha para alguns dos títulos – o que, convenhamos, não seria necessariamente mau. A extinção natural poderá limpar o terreno dos vícios acumulados, permitir um reequilíbrio do ecossistema mediático e abrir espaço a novas formas de jornalismo, menos dependentes da subsidiação crónica e da formatação ideológica. A imprensa escrita colapsou, mas o jornalismo ainda pode sobreviver – desde que se liberte das amarras que o arrastaram até aqui.

O PÁGINA UM analisou a evolução das vendas dos últimos 30 anos de cinco jornais generalistas portugueses: quatro nascidos como diários – Correio da Manhã, Diário de Notícias, Jornal de Notícias e Público – e um de origem semanal – o Expresso. A linha temporal inicia-se em 1996, quando ainda não existia o conceito de assinaturas digitais e os portugueses, então leitores assíduos, consumiam jornais em papel como parte integrante do café da manhã.
Foi apenas em 2009 que esse “novo e maravilhoso mundo” digital começou a dar os primeiros sinais de vida, ainda timidamente. Ao longo da década seguinte, foi ganhando terreno, até se tornar, nos últimos anos, o eixo dominante das estratégias editoriais. Hoje, as edições impressas são cada vez mais residuais, enquanto a produção de conteúdos se rege pela lógica do imediato – e pelos inúmeros erros que daí decorrem.
A própria natureza do jornalismo transformou-se: os diários deixaram de ser apenas diários para se tornarem plataformas de informação em torrente contínua, ao passo que o Expresso, tradicionalmente semanal, passou a comportar-se como um diário digital, pressionado pelo mesmo ritmo.

Mais ainda: a transição é já estrutural em dois casos. O Público e o Expresso são, desde 2020 e 2023 respectivamente, jornais maioritariamente digitais, com as assinaturas electrónicas a superarem as vendas em banca. Esta inversão de paradigma, longe de ser sinónimo de sustentabilidade, levanta sérias questões sobre a viabilidade económica, a qualidade editorial e o impacto social do jornalismo tal como está a ser praticado.
Mas vejamos, com rigor e em detalhe, os números de cada jornal, tomando como referência os dados relativos ao primeiro trimestre de cada ano, de forma a permitir comparações homogéneas ao longo do tempo.
Comece-se pelo Público, o diário fundado pelo Grupo Sonae. No primeiro trimestre de 1996, vendia diariamente, em banca, cerca de 58 mil exemplares. Este ano, pela primeira vez, caiu abaixo dos 10 mil. Uma queda de mais de 84%, que nem o empolamento das assinaturas digitais – muitas de acesso gratuito ou incluídas em pacotes promocionais – consegue mascarar. A versão digital, é certo, regista agora cerca de 54 mil assinaturas pagas, quintuplicando os valores registados há uma década, mas à custa de uma política de produção intensiva de conteúdos e de receitas unitárias substancialmente mais baixas que o papel. E a matemática é simples: mais trabalho, menos rendimento. E menos impacto.

O simbolismo do papel, mesmo no efémero diário, é superior – nesse aspecto, o diário da Sonae é hoje um fantasma: o ano de 2005 foi o último acima dos 50 mil exemplares vendidos por dia; 2015 foi o último com vendas diárias em banca acima dos 20 mil, e agora já está abaixo de 10 mil. Sinal de que o digital não é sustentável mostra-se nas contas. O Público, que sempre foi um jornal deficitário, apresentou em 2023 – os resultados de 2024 ainda não são conhecidos – um prejuízo recorde de quase 4,5 milhões de euros.
Passemos ao Diário de Notícias, ou àquilo que resta do diário nascido no século XIX e que só existe por um ‘milagre’ não explicado pelas ciências económicas. No primeiro semestre do ano 2000 vendia mais de 70 mil exemplares diários, mesmo mais do que em 1996. Mas várias promiscuidades entre o jornalismo e o mundo político e empresarial foram aniquilando o jornal depois da saída de Mário Bettencourt Resendes em 2004, e da passagem de nove directores (sem contar com os interinos).
Entre 2003 e 2013, as vendas no primeiro trimestre passaram de cerca de 52 mil exemplares por dia para menos de 24 mil. Mas isso foi apenas o princípio do descalabro.

Em 2018, as vendas já estavam abaixo dos 10 mil, e dois anos depois mal ultrapassavam os quatro mil. No primeiro trimestre deste ano, o DN nem chega a mil exemplares por dia. Não, não leu mal: são 966 exemplares em banca, em média, no primeiro trimestre de 2025. Trata-se de um nível de circulação impraticável para qualquer modelo de imprensa de massas – e apenas sustentável graças a expedientes editoriais de sobrevivência. A edição digital, por sua vez, ronda os 700 acessos pagos, uma ninharia irrelevante do ponto de vista económico e social.
Já o Jornal de Notícias, outrora o orgulho da imprensa nortenha. E chegou a ser um jornal centenário por duas razões: por ter mais de cem anos (foi fundado em 1888) e por ter ultrapassado os 100 mil exemplares por dia no final dos anos 90.
No período em análise, o pico surgiu em 2004 com cerca de 127 mil exemplares diários. Embora até 2009 se tenha mantido em redor dos 100 mil exemplares, a partir desse ano iniciou uma rota descendente. Em 2014 já estava abaixo dos 60 mil exemplares, ou seja, uma queda de 40% em apenas cinco anos. Mas ainda se afundou mais.

No primeiro trimestre de 2020 já surge abaixo dos 40 mil, e os últimos anos têm sido penosos, mesmo com a sua suposta saída do universo da Global Media. O primeiro trimestre deste ano mostra vendas de 16.613 exemplares, que representam apenas 13% das vendas do pico de 2004.
Ainda por cima, a digitalização, longe de salvar o navio, apenas está a apressar o naufrágio: 3.300 assinaturas digitais pagas em 2025. Com uma assinatura anual a custar 24,95 euros, não é por aqui que o JN se salvará.
O Correio da Manhã, tradicionalmente o mais resiliente entre os generalistas, e que se anuncia como o jornal diário mais lido em papel, está agora reduzido a um rei de um só olho em terra de cegos. Há dias, o jornal da Medialivre regozijava-se por vender “mais de 1 milhão de exemplares por mês” em banca, o que corresponde a “um número superior a 34 mil exemplares por dia”. No actual contexto, em que entra em competição o Diário de Notícias com menos de mil, parecem valores extraordinários – mas não.

Desde 2011 não há ano em que o Correio da Manhã tenha conseguido inverter a tendência de queda. No auge de 2011, vendeu 125.354 exemplares diários – ou seja, mais de 3,75 milhões por mês; cinco anos depois já estava abaixo da fasquia dos 100 mil por dia, mesmo assim cerca de três vezes mais do que os valores do primeiro trimestre de 2025. Ou seja, em 14 anos, entre 2011 e 2025, o Correio da Manhã teve uma quebra de vendas de 73%, que nem sequer é mitigada pelas assinaturas digitais, que começaram em 2012 e apenas rondam agora os 2.700.
Mesmo sem o descalabro dos outros diários, a imprensa popular também sofre, tanto mais que a transição digital não casa com o público tradicional do Correio da Manhã.
Finalmente, o caso do Expresso, sendo diferente por ter nascido como semanário, também merece destaque pelo contraste entre o passado de prestígio e o presente de perda. Jornal que, nos anos 90, começou paulatinamente a vender em redor dos 130 mil a 140 mil exemplares por edição – também fruto do célebre saco de plástico que garantia o seu fácil manuseamento –, o Expresso deu-se mal com os ares fora de Lisboa, depois de ter saído da sua célebre redacção na Rua Duque de Palmela. Em 2002, atingiu o seu máximo de vendas por edição no primeiro trimestre, com mais de 143 mil exemplares, mas foi depois paulatinamente decaindo. Em 2012 contabilizou pela primeira vez valores de vendas abaixo de 100 mil exemplares, numa altura em que o digital ainda dava os primeiros passos.

Nos anos seguintes, o Expresso deixou de ser um semanário com uma edição online para se tornar num diário digital com uma edição semanal em papel. Esta nova versão teve duas consequências: quebras brutais em banca, sobretudo a partir de 2021, que fazem com que por edição se tenham vendido apenas 33.603 exemplares durante o mais recente trimestre; e um aumento nas assinaturas pagas, rondando agora as 50 mil. Dir-se-ia que, somando ambas as categorias, se teria mais de 80 mil leitores, mas esse número fica aquém dos valores da edição semanal da primeira década do presente século.
Além disso, mesmo considerando que os lucros são teoricamente maiores nas assinaturas digitais – por não implicarem os custos de produção e distribuição da edição em papel –, os custos redaccionais aumentam (porque há mais conteúdos), e o impacto real diminui. O Expresso de hoje, com 33.603 exemplares vendidos em banca, mesmo com 49.987 assinaturas digitais, não tem o mesmo estatuto do Expresso de 2002, com 143.222 exemplares vendidos em banca.
E se isto se passa com os cinco maiores e mais relevantes jornais generalistas de Portugal, estamos perante um cenário de terra queimada. Nenhum jornal conseguiu fazer a transição para o digital com equilíbrio económico. As receitas digitais, em média, representam uma fracção das impressas – mesmo com maior volume. Os custos redaccionais mantêm-se elevados, pela sofreguidão noticiosa de repetir primeiro tudo aquilo que os outros dão, mas com salários baixos e uma enxurrada de comentadores a opinar, de sorte que há jornais que mais parecem opinativos.

Em suma, o papel está em agonia, o digital não sustenta. A imprensa escrita generalista portuguesa está, literalmente, em coma induzido por financiamento público e contratos opacos. Mais grave ainda: esta agonia arrasta consigo a função essencial de contrapoder e de vigilância do jornalismo. Num país onde os jornais vivem de publicidade institucional e do favor dos grandes grupos económicos, a queda das vendas significa também a queda da publicidade sem compromisso, da independência. A maioria dos jornais já não vive dos leitores, mas do poder político, da publicidade camuflada e das agendas de grupo. O resultado é uma imprensa cada vez mais alienada do interesse público, cada vez mais dependente da narrativa oficial.
Os números do primeiro trimestre de 2025 não deixam margem para dúvidas. A crise deixou de ser conjuntural e tornou-se estrutural e terminal. Nenhuma newsletter ou podcast salvará o que já está morto. Nenhuma “estratégia digital” ressuscitará o que foi enterrado há uma década. A imprensa escrita portuguesa, tal como a conhecemos, está nos últimos estertores – até porque quem vende menos, cada vez mais recorre a esquemas que matam o jornalismo.