OPINIÃO
Nininho & Maria João Avillez: jornalismo e humor em época de ofendidos

A forma como os leitores apreendem os conteúdos de um jornal pode ser analisado e avaliado pelas reacções nas caixas de comentários ou nas redes socais. Não tendo o PÁGINA UM, por razões editoriais, uma caixa de comentários (que exigiria ‘moderação’, algo impraticável para os nossos meios), resta-nos as reacções nas redes sociais. E, na semana passada, sucedeu algo curioso com dois textos no PÁGINA UM: uma notícia e uma crónica satírica.
A notícia destacava o facto de Nininho Vaz Maia continuar popular junto de autarcas e não ter sido cancelado, como anteviam algumas pessoas das artes e espectáculos.
A crónica é um texto satírico do ‘nosso’ Brás Cubas, um pseudónimo que bebe da personagem do romance oitocentista do escritor brasileiro Machado de Assis, que incide sobre um programa onde Maria João Avillez entrevista ‘malta com muitos apelidos’ ou que herdou ‘genes conhecidos’.


Ora, no Facebook, surgiram soldados da tropa dos bons costumes e, de repente, senti que estávamos no Portugal da década de 60.
Percebi que há quem pense que não podemos escrever sobre Nininho Vaz Maia, mesmo que seja para noticiar que o artista continua popular entre autarcas e é muito requisitado, após a polémica.
E percebi também que há que defenda que não podemos fazer humor tendo como alvo ‘famílias de bem’.
Se escrevermos textos satíricos sobre ‘famílias de bem’, lançam-nos uma fatwa aristocrática, banindo toda a redacção do PÁGINA UM, e descendentes, de poderem integrar confrarias, lojas do avental ou ser sócios do Sporting (valem-nos as cooperativas).
Pelas notícias sobre a popularidade de Nininho nas autarquias, arriscamos uma valente praga e eterna condenação.
Caramba! Se quiséssemos fazer fretes, lamber botas ou fazer ‘jornalismo positivo’ para viver confortavelmente com financiamento autárquico ou europeu, então o PÁGINA UM não teria sido criado.

Por outro lado, não existem ‘vacas sagradas’, nem para o jornalismo nem para a sátira. Por muitas fatwas e ofendidos que surjam, isso faz parte da arte do Jornalismo. E da arte do Humor.
No dia em que nos cancelarmos, como jornalistas ou humoristas, escritores, para acalmar ofendidos, é o dia em que o melhor é arrumar as botas.
Elisabete Tavares é jornalista