FALTAM MEIOS PARA IMPRESSIONAR, MAS HÁ DINHEIRO (PÚBLICO) PARA GASTAR
Força Aérea paga 80 mil euros para uma empresa mostrar drones luminosos

Se hoje o primeiro-ministro Luís Montenegro prometeu aos seus parceiros da NATO, na cimeira realizada nos Países Baixos, que Portugal passaria a investir “acima de 2% do Produto Interno Bruto (PIB) em Defesa” já em 2025 — com a mira apontada a uns futuros 3,5% até 2035 —, a Força Aérea Portuguesa já deu mostras de estar em voo picado para esse gasto orçamental. Por isso, e para celebrar a nova rota da soberania nacional, vai dar um espectáculo de luzes no céus da Figueira da Foz. Com os drones a voar, também voará dos cofres públicos cerca de 80 mil euros, incluindo IVA.
Com efeito, no âmbito das celebrações do Dia da Força Aérea, este ramo militar achou boa ideia mostrar o seu potencial contratando a empresa Ignitionconcept para a realização de um espectáculo artístico com drones luminosos a partir dos últimos minutos da próxima segunda-feira na praia do Forte do Cabedelinho, na Figueira da Foz. No dia anterior, também pelas 23h55, haverá um “treino” geral da exibição. E mesmo não se sabendo quantos drones participarão, nem tampouco o tipo de imagens ou efeitos visuais que serão projectados no céu atlântico, porque o contrato por ajuste directo divulgado no Portal Base não integra, como deveria, o caderno de encargos.

Em todo o caso, esta contratação marca um salto vertiginoso nos custos destes eventos: a mesma empresa Ignitionconcept realizou em 2024 um espectáculo similar para a Força Aérea em Portimão, mas cobrando 30 mil euros (já com IVA), o que representa, assim, um aumento de 167% no preço final. Uma subida muito acima da própria trajectória do investimento em Defesa prometido pelo Governo, que passará, em termos relativos, de 2% para 3,5% do PIB, o que significará ‘apenas’ um acréscimo de 75%. A criatividade orçamental, pelos vistos, está a ganhar asas mais rápido do que os caças F-16.
Criada em 2019 na Charneca da Caparica, a Ignitionconcept apresenta-se como uma empresa de entretenimento e marketing, dedicada à criação de “espectáculos de drones de luz personalizados, adaptados especificamente para a ocasião”, onde se promete “transformar a sua visão em realidade”. Num dos vídeos promocionais do seu site, surge uma exibição durante o festival NOS Alive de 2024, onde dezenas de drones desenham no céu o logótipo de uma marca de cerveja. Também tem realizado espectáculos para entidades privadas, tanto em Portugal como no estrangeiro. A componente artística pode ser discutível, sendo uma nova moda alternativa à pirotecnia, mas a publicitária é inegável.

Nos últimos dois anos, esta empresa garantiu, entretanto, uma dezena de contratos públicos, todos por ajuste directo, a maioria deles com municípios, totalizando quase 378 mil euros com IVA. O primeiro foi com a autarquia de Óbidos, em Maio de 2023, para um espectáculo de dois dias, no valor de 19.900 euros (acrescidos de IVA à taxa de 23%), o que totaliza cerca de 24.477 euros. No mesmo ano, o município da Lagoa contratou a Ignitionconcept por 32.546 euros (IVA incluído).
No ano passado, a empresa reforçou a sua presença no sector público com sete contratos — e destaque para Lisboa, onde conseguiu dois ajustes directos com a Câmara Municipal e com a Empresa de Gestão de Equipamentos e Animação Cultural (EGEAC), por um valor total de cerca de 82 mil euros, que envolveu quatro eventos. O maior desses contratos, segundo os registos públicos, inclui espectáculos no 25 de Abril, nas Festas de Lisboa e no Natal. O outro, realizado directamente com a autarquia lisboeta, serviu para anunciar os finalistas dos prémios “Lisboa Innovation for All” — uma iniciativa no âmbito da Capital Europeia da Inovação.
Além disso, a Câmara Municipal do Porto também recorreu aos serviços desta empresa para celebrar os 10 anos da marca “Porto”, pagando um pouco mais de 58 mil euros. Já Vila do Conde fechou o ano com um espectáculo natalício aéreo da Ignitionconcept, por 18.450 euros.

Ainda assim, nenhum dos contratos celebrados até hoje se aproxima do valor de 80 mil euros (IVA incluído) agora adjudicado pela Força Aérea Portuguesa. Uma verba que, em si mesma, daria para repetir duas vezes o espectáculo de 2024 e ainda sobraria para uma largada de pombos ou para um evento de porco de espeto muito superior ao que Gouveia e Melo levou para comemorar o Dia da Marinha quando se tornou líder do Estado-Maior da Armada.
Destaque-se que o contrato da Força Aérea carece também de transparência ao nível do nome do oficial que assinou o contrato, pois este surge ocultado no Portal Base, surgindo apenas a indicação genérica “COR/ADMAER”, com a justificação de estar a actuar “no exercício das competências subdelegadas pelo Vice-Chefe do Estado-Maior da Força Aérea”. Esta ocultação de assinaturas tem sido sistematicamente permitida pelo Instituto dos Mercados Públicos, do Imobiliário e da Construção (IMPIC), a entidade pública que gere o Portal Base. De facto, não existe qualquer fundamento legal para rasurar a identidade dos outorgantes, uma vez que se está perante actos administrativos no exercício de funções públicas.
Seja como for, e embora a Defesa Nacional não tenha (ainda) comprado drones armados ou de reconhecimento militar, parece estar bastante empenhada no ramo do entretenimento aéreo nocturno. O espectáculo de dia 30 de Junho, às 23h55, será assim um prenúncio luminoso das novas prioridades estratégicas de Portugal no seio da NATO: mais investimento, mais voos — e mais luzes.

De acordo com uma consulta do PÁGINA UM, o preço de um drone profissional para espectáculos desta natureza está compreendido entre 2.000 e 5.000 euros, dependendo do modelo, sistema de iluminação e autonomia de voo. Um espectáculo médio pode envolver entre 50 a 200 drones, o que significa que o custo de aquisição dos equipamento pode variar entre 100 mil e 1 milhão de euros, embora as empresas prestadoras usualmente operem em regime de aluguer ou leasing, diluindo os custos por evento.
Assim, um espectáculo com 150 drones pode custar, em média, 30 a 50 mil euros, o que coloca o valor pago pela Força Aérea no patamar superior do mercado. Mas a questão que se coloca será mais esta: será que a Força Aérea já tem tão pouca coisa para mostrar que necessita de um empresa para fazer um ‘foguetório’ efémero?