NEM COM APOIO REFORÇADO AO HOSPITAL DA PRELADA CONTAS SAÍRAM DO 'VERMELHO'

Até com polémico ‘balão de oxigénio’ do Governo, Santa Casa da Misericórdia do Porto atinge décimo ano de prejuízos contínuos

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Pedro Almeida Vieira|04/07/2025

Há sete anos, a Associação Portuguesa de Ética Empresarial decidiu distinguir António Tavares com uma Medalha de Mérito. O então — e ainda — presidente da Mesa Administrativa da Santa Casa da Misericórdia do Porto (SCMP) foi considerado um exemplo de Ética, Responsabilidade Social e Sustentabilidade. É provável que, à época, não existissem elementos suficientes que colocassem em causa a justeza da distinção no plano da ética pessoal. Porém, no campo da gestão, António Tavares — também professor na Universidade Lusófona e antigo deputado do PSD — dificilmente receberá algum dia um galardão, excepto se for um Prémio Razzie, os famosos anti-Óscares de Hollywood, aplicados ao sector da Economia.

Com efeito, nos últimos dez anos, a SCMP — sob direcção ininterrupta de António Tavares desde 2011 — acumulou um buraco de 30,4 milhões de euros. Desde 2014 que não sabe o que é apresentar lucros. Em catorze anos de gestão, Tavares conheceu apenas dois exercícios positivos: em 2011 e em 2014.

A cada ano, os resultados têm vindo a escavar mais fundo o fundo patrimonial da instituição: o que eram 234,8 milhões de euros em 2011 são hoje cerca de 138,5 milhões. Ou seja, o capital próprio da SCMP — para usar o jargão empresarial — emagreceu 96,3 milhões de euros sob a gestão de António Tavares, o que representa uma queda de 41%. A “sustentabilidade” — outro dos termos inscritos na distinção de 2017 — parece ter desaparecido por completo do léxico da Misericórdia do Porto.

O ano de 2024 deveria ter sido o momento da inversão, até pela bênção do Governo de Luís Montenegro. Em Agosto do ano passado, um Conselho de Ministros autorizou um reforço de verbas para o Hospital da Prelada, propriedade da SCMP, no âmbito da criação de um Centro de Atendimento Clínico (CAC) para receber doentes não urgentes dos hospitais de São João e de Santo António.

Por outras palavras, o Estado passou a pagar à Misericórdia do Porto para aliviar as urgências do SNS — o que, na prática, representou uma injecção directa de dinheiro numa unidade hospitalar deficitária há anos.

De acordo com o relatório e contas de 2024, analisado pelo PÁGINA UM, este reforço de financiamento especificamente dirigido ao Hospital da Prelada foi substancial. Se em 2023 esta unidade hospitalar teve receitas de vendas e prestações de serviços de 34,1 milhões de euros, em 2024 essa rubrica subiu para quase 38,7 milhões — ou seja, um aumento de quase 14%. Teria servido, em teoria, para “limpar” a instituição de uma linha contínua de prejuízos.

Mas não deu, porque as despesas também aumentaram. E há sobretudo um departamento, denominado Serviços Partilhados, que insiste em apresentar mais de quatro milhões de euros de prejuízos anuais. Em suma, o “balão de oxigénio” concedido pelo Governo de Luís Montenegro — de cerca de 4,6 milhões de euros — serviu apenas para reduzir o prejuízo global em cerca de 1,5 milhões de euros.

Curiosamente, no mesmo dia em que o Diário da República oficializava o reforço de verbas para o Hospital da Prelada, o primeiro-ministro Luís Montenegro encontrava-se a gozar férias no Brasil, numa casa pertencente a Eurico Castro Alves — o coordenador da task force do Plano de Emergência da Saúde (autor do modelo dos CAC) e, até há poucos meses, membro suplente da Mesa Administrativa da SCMP.

Membros da Mesa Administrativa da Santa Casa da Misericórdia com ‘obra feita’: 10 anos de prejuízos consecutivos.

Não é apenas António Tavares e Eurico Castro Alves que mantêm ligações ao PSD. Manuel Pinto Teixeira, membro efectivo da Mesa Administrativa da SCMP e antigo chefe de gabinete de Rui Rio na Câmara Municipal do Porto, também aparenta ter bom trânsito entre os sociais-democratas.

O relatório e contas de 2023 associa-o directamente à tutela do Hospital da Prelada. Entre Julho de 2020 e Julho de 2022, Pinto Teixeira integrou a Comissão Política Nacional do PSD — onde se sentava ao lado de Ana Paula Martins (actual ministra da Saúde) e de Joaquim Miranda Sarmento (actual ministro das Finanças). A proximidade é de tal ordem que, mesmo em tempos de contenção orçamental, se arranja sempre dinheiro para os amigos do Porto.

Não há memória recente de qualquer medida de reestruturação significativa na Misericórdia do Porto. Pelo contrário: os gastos com fornecedores e serviços externos continuam a subir. Em 2011, ascendiam a 13,2 milhões de euros; em 2023, já ultrapassavam os 19,5 milhões; e, no ano passado, subiram para 21,6 milhões de euros.

Também os gastos com pessoal aumentaram: entre 2023 e 2024, o acréscimo foi de 7,1%, passando de 34 milhões para quase 36,5 milhões de euros. O salário médio dos 1.261 trabalhadores da SCMP é de 2.065 euros mensais, calculado em catorze meses. A SCMP, tal como uma empresa pública em fim de ciclo, mantém a estrutura e o esbanjamento — na expectativa de que o Estado a venha salvar no fim.

Hospital da Prelada, um sorvedouro de dinheiros públicos, mas que nem assim faz a SCMP sair do ‘vermelho’.

Saliente-se que, ao contrário da sua congénere lisboeta, a SCMP não tem receitas provenientes dos jogos. Vive, por isso, exclusivamente da sua actividade empresarial e de acordos com o Estado. Entre 2008 e 2023, o Ministério da Saúde transferiu cerca de 500 milhões de euros para a Misericórdia do Porto. Só no último quinquénio, foram aproximadamente 160 milhões. Mas, nem assim, a SCMP conseguiu apresentar lucros.

O PÁGINA UM contactou a SCMP para obter comentários sobre a situação financeira da instituição, bem como para saber se António Tavares considera manter condições para continuar em funções após o décimo ano consecutivo de prejuízos. A resposta foi lacónica: “Não nos será possível enviar as respostas solicitadas no prazo definido, uma vez que, por motivos de agenda, não foi possível obter em tempo útil os contributos necessários para o efeito.”

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