ESCLARECIMENTO

Erros, equívocos, legalidade e respeito no PÁGINA UM

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Pedro Almeida Vieira|14/07/2025

Na vida, cometem-se erros e equívocos, mesmo quando as intenções iniciais são as melhores. Há cerca de três meses, abriu-se a possibilidade de uma colaboração sem custos para o PÁGINA UM por parte de João de Sousa, ex-inspector da Polícia Judiciária, com o passado público que se conhece. Esse passado, para mim, era irrelevante: acredito na reinserção social. O que interessava era a sua experiência.

A melhor forma de oficializar essa colaboração, centrada na área da Justiça, implicava o acesso a fontes de informação e, por vezes, a audiências com limitação de lugares. Por isso, foi formalmente solicitada à CCPJ a emissão de uma carteira de colaborador. Assim, João de Sousa passava a deter, para todos os efeitos, os mesmos direitos e deveres dos jornalistas. Contudo, ficou acordado que, nesta fase, a sua colaboração seria no registo de cronista, o que lhe conferiria simultaneamente liberdade e responsabilidade editorial.

Escrever num jornal como colunista é algo totalmente distinto de ser colaborador com estatuto equiparado ao de jornalista. Mesmo em textos de opinião, não se pode escrever “o que sai da real gana”, nem utilizar o espaço editorial para acertos de contas pessoais.

Durante o curto período da sua colaboração, João de Sousa publicou três crónicas. Todas escritas num português correcto, mas com um estilo que, pela minha experiência jornalística e literária, considerei merecer, aqui ou ali, alguns retoques. Esses ajustes visavam garantir maior equilíbrio editorial e tornar o conteúdo mais acessível aos leitores menos familiarizados com os temas tratados. Essa prática – corriqueira, habitual e até necessária no jornalismo e na edição literária – causava, porém, um indisfarçável incómodo ao João de Sousa, que fui sempre gerindo com diplomacia.

Nunca lhe manifestei que, por exemplo, discordava absolutamente do prisma de uma das suas crónicas, quando comparou o malogrado Diogo J. ao ex-primeiro-ministro José Sócrates, por me parecer despropositado ao contexto do início de um julgamento e de parecer uma colagem emocionalmente ilegítima. Nem tampouco me opus à publicação do texto, mesmo não concordando com o facto de ele justificar na crónica que não acompanhara o início do julgamento por estar em choque com a morte de um futebolista – e que quisera ir para casa beijar os filhos. Ambos sabíamos que, na verdade, houvera um lapso que não permitira a autorização do Tribunal para que ele tivesse garantia de assistir à primeira audiência como colaborador do PÁGINA UM. Enfim, mas no âmbito de uma crónica, existe liberdade de interpretação, e mesmo não sendo este o meu estilo, não deveria opor-me à publicação da crónica, que foi publicada, por razões de liberdade de expressão e de opinião.

Na passada sexta-feira, depois de receber à noite a sua quarta crónica, sobre a última audiência do julgamento Anjos vs. Joana Marques, enviei-lhe uma curta mensagem a sugerir a inserção de uma simples frase de transição entre a introdução e os três blocos seguintes. Sem qualquer conversa prévia por telefone, recebi a seguinte resposta:

“Acabou a colaboração, depois entrego-te o Cartão de Colaborador. Não tenho idade, vida ou paciência para isto. O texto já está publicado nas minhas redes sociais. Grato pela experiência.
Bom concerto. Abraço.”

Hoje, João de Sousa decidiu ainda vitimizar-se nas redes sociais, acusando-me de “tiques de Citizen Kane” e mandando-me mais uns mimos. Eu teria preferido colocar uma pedra sobre o assunto, mas sou agora obrigado a explicar publicamente o meu modus operandi:

  1. Com mais de três anos e meio de existência enquanto projecto de jornalismo independente, o PÁGINA UM acolheu a colaboração de João de Sousa com respeito e integridade, tal como já fez com muitos outros colaboradores, de qualquer quadrante ou ideologia. No caso dele, ainda com maior atenção. Ainda na própria sexta-feira, estive pessoalmente a tratar de uma providência cautelar para contestar judicialmente o indeferimento da sua acreditação por parte da Assembleia da República — providência que, naturalmente, já não será submetida. Este empenho mostra-se incompatível com o desrespeito evidenciado na sua mensagem abrupta e pouco cordata, em que rompe a colaboração por não aceitar que o director de um jornal lhe sugerisse a introdução sequer de uma vírgula.
  2. Ao informar-me que publicara já o texto nas suas redes sociais, a publicação das crónicas no PÁGINA UM deixou de fazer sentido — até por razões legais. Aliás, ao decidir colocar as suas crónicas no site da sua empresa de consultadoria, João de Sousa rompeu de facto com o princípio de exclusividade e de vínculo editorial.
  3. A sua remoção da ficha técnica e a comunicação do fim da colaboração à CCPJ constituem, além de uma imposição legal, uma forma de proteger o PÁGINA UM de quaisquer responsabilidades que possam surgir, a partir da passada sexta-feira à noite, da associação entre o nome de João de Sousa — detentor de cartão de colaborador 1520, passada pela CCPJ — e este jornal.
  4. Como o próprio João de Sousa foi informado no mesmo dia, o podcast A Corja Maldita, que contava com três elementos, foi suspenso até ser possível conversar com o terceiro participante do grupo. Havia, naturalmente, abertura para a continuação do podcast, incluindo com o João de Sousa — possibilidade que agora se afigura pouco provável. Os episódios já realizados do A Corja Maldita mantêm-se disponíveis nas plataformas Spotify e YouTube.

Conclusão:

Lamento profundamente que uma colaboração que procurou, desde o início, ser respeitosa e construtiva tenha terminado desta forma precipitada. E sobretudo de forma acintosa por parte do João de Sousa. O PÁGINA UM não aceita condutas que coloquem em causa a seriedade e a responsabilidade editorial que se exige a quem escreve sob a sua chancela — seja como cronista, seja como jornalista. A liberdade de expressão é um valor inalienável, mas no jornalismo deve sempre coexistir com a responsabilidade editorial, o respeito mútuo e o compromisso com os leitores.

Fizemos este percurso de 43 meses com cerca de 3.500 conteúdos, e deixar de ter este colaborador que escreveu três crónicas acaba por ser somente um pequeno percalço, que apenas a sua vitimização, que pretende colocar em causa a minha idoneidade, faz justificar estas linhas de esclarecimento.

Fica apenas mais um lamento e um mea culpa: a dimensão do PÁGINA UM — e sobretudo o seu estilo de independência — torna-o vulnerável a tentativas de aproveitamento. Tenho procurado evitar propostas de colaboração, mesmo a título gratuito, que possam insinuar uma futura associação de conveniência com este projecto. Por isso, tenho sido particularmente criterioso nessas decisões. Ainda assim, contra alguns sinais e avisos, aceitei a colaboração de João de Sousa, confiando na sua compreensão das regras do jornalismo e na natureza deste jornal. Enganei-me, até pela sua reacção de vitimização – e de ‘lavagem de roupa suja’ – quando foi ele a decidir ‘bater com a porta’ por uma ninharia editorial. E esse erro (de o aceitar como colaborador) é inteiramente da minha responsabilidade, e um redobrado aviso da vulnerabilidade do PÁGINA UM, da qual tenho consciência.

Pedro Almeida Vieira

Director do PÁGINA UM

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