Eis o Filipe Santos Costa: de assalariado socialista até jornalista performativo

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Serafim|15/07/2025

Há quem diga que o jornalismo moderno se confunde com entretenimento. E não sem razão: há por aí jornalistas que, julgando-se oradores de salão, consideram um desperdício não competir com o João Baião, o Goucha, a Cristina Ferreira — ou mesmo o Ricardo Araújo Pereira.

Podem enganar os incautos, mas a mim, gato velho, de bigode sisudo e memória de quinze vidas, não me iludem: são como aquele rato que se disfarçava de filósofo para dar sermões, não para caçar verdades. Agora caça-se protagonismo.

E como sou caçador por natureza, hoje apanhei um belo exemplar: Filipe Santos Costa — ou, se preferirem, o Filipe das Crónicas em 3 Minutos, que inaugurou um novo género: o jornalismo-palhaçada.

Filipe apresenta-se nas redes com um ar híbrido entre hipster do Chiado e professor universitário reformado de Tóquio. O seu perfil é tão performativo quanto os vídeos que agora produz, onde se despe e veste entre takes — literal e metaforicamente. Ali vende-se pose. E que pose! Uma pose destilada com esmero, como se tivesse sido ensaiada diante de um espelho com moldura de ironia. Camisa branca aberta ao peito — talvez para arejar os princípios —, óculos de intelectual pós-moderno comprados em saldos de boutique ideológica, e aquela voz… aquela voz de moralista risonho, meio catequista de sarcasmos, meio apresentador de talk-show para gente que se acha acima do povo, mas ainda assim pede um café sem açúcar no quiosque da esquina.

Tudo servido sobre um palco virtual que mais parece um púlpito de stand-up teológico onde, em vez de evangelizar, se zurzem políticos com indignação gourmet. Não se trata de opinião: trata-se de encenação. Cada frase de Filipe Santos Costa vem com gesto, cada pausa com coreografia facial, cada olhar com ponto de exclamação. É teatro moral em três minutos — com figurino próprio e, quem sabe, patrocínio à medida. Jornalismo? Deixo à vossa imaginação.

Rábula de Filipe Santos Costa sobre Carlos Moedas.

Na semana passada, foi-se ao Sócrates — bode expiatório de estimação —, a quem chamou T Rex, numa apresentação de piadas estafadas onde se misturou, de forma desconcertante, La Féria e Eça de Queirós. Ontem, foi-se ao Carlos Moedas, esse homem das câmaras e dos casacos bem passados, que vive em eterno estado de inauguração — mesmo quando a obra não é sua.

E até aqui, confesso, o Filipe até acerta. Sócrates, politicamente estendido no chão, está à mercê de todas as botas; e Moedas é um galo vaidoso, que canta no poleiro alheio e sorri para as câmaras como se protagonizasse um anúncio de pasta dentífrica. Está sempre em obra, mesmo que alheia. Está sempre a comunicar, mesmo quando nada tem a dizer. A crítica de Filipe tem mérito — reconheça-se —: Sócrates é um poderoso em desgraça perpétua; Moedas é show-off com flash incluído.

Mas o que me faz eriçar os bigodes nem sequer é o conteúdo dos vídeos — nem sequer a linguagem jocosa. É o autor. Porque o Filipe, antes de se reinventar como justiceiro em vídeos verticais, andava entretido noutras produções. Mais discretas, mas bem mais comprometidas.

Rábula de Filipe Santos Costa sobre José Sócrates.

E como sou gato de memória fina, não esqueço: há poucos anos, o mesmo Filipe que hoje zurze políticos com empáfia, fazia podcasts pagos pelo Partido Socialista — sim, pagos, sim, pelo PS. Não para os criticar, mas para os embalar com perguntas respeitosas e voz serena.

Com microfone à frente e cenário rubro, serviu de pedaleira mediática a um rol de socialistas ilustres, entre os quais se contaram (respiro felino): Manuel Alegre, Eduardo Ferro Rodrigues, Augusto Santos Silva, Francisco Assis, João Costa, Edite Estrela, Miguel Costa Matos, Ascenso Simões, João Leão, Mariana Vieira da Silva, Marta Temido, Ana Mendes Godinho, António Sales, Pedro Nuno Santos, Margarida Marques, António Mendonça Mendes, Francisca Van Dunem, Nelson de Souza, José Luís Carneiro, Matos Fernandes, Tiago Antunes, Ana Catarina Mendes, António Costa Silva, Alexandra Leitão, Tiago Brandão Rodrigues, Fernando Medina, Mário Centeno, Manuel Heitor, Pedro Adão e Silva, Pedro Siza Vieira — alguns mais do que uma vez — e, claro, o chefe que lhe ‘passava’ os cheques mensais: António Costa, então primeiro-ministro e secretário-geral do partido.

Filipe Santos Costa na PS TV. Com quatro anos de YouTube, a conversa com Eduardo Ferro Rodrigues tinha hoje 177 visualizações.

Ouçam, se quiserem, o seu cândido e respeitoso ronronar de então. Compare-se agora com a verve felina de justiça sumária em três minutos. E, claro, Filipe dirá — sempre sorridente — que é independente e competente. Trabalhava para o PS e dizia-se jornalista; hoje diz-se jornalista e… trabalhará para quem?

Essa é a pergunta. Mas quanto à legalidade, tranquilizem-se: o Tribunal Administrativo garantiu que tudo estava conforme. Tal como Pilatos confirmou que a crucificação de Cristo era legal. Que é imoral, disso não tenho dúvida. E descarado também. Mas a culpa nem é só dele: é de quem, na televisão, o mete a fazer aquilo.

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Serafim é o Mascot do PÁGINA UM, conveniente e legalmente identificado na Ficha Técnica e na parte da Direcção Editorial, possível pela douta interpretação da Entidade Reguladora para a Comunicação Social. Qualquer semelhança entre os assuntos relatados e a realidade é pura factualidade.

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