CUATRECASAS RECEBE MAIS 861 MIL EUROS POR AJUSTE DIRECTO

Na hora da despedida, Centeno oferece ‘prenda’ milionária

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Elisabete Tavares|22/07/2025

O final do mandato de Mário Centeno à frente do Banco de Portugal está a ser marcado por polémicas que incluem duas nomeações de última hora e uma despesa na construção de um ‘elefante branco’. Mas Centeno não se ficou por aqui. Na hora de saída, ainda deu uma prenda milionária.

A ‘bafejada’ pela sorte foi a sociedade de advogados Cuatrecasas, que ganhou mais um ajuste directo do Banco de Portugal, no montante de 861 mil euros, com IVA incluído. O contrato foi assinado no passado dia 17 de Julho e tem como objecto a “aquisição de serviços de assessoria jurídica e de patrocínio judiciário”, com um prazo de execução de três anos.

Mário Centeno. / Foto: D.R.

O Banco de Portugal justifica o ajuste directo com o argumento de que não existe “concorrência por motivos técnicos”. Ou seja, a entidade liderada por Centeno diz assim que mais nenhuma outra sociedade de advogados a operar em Portugal tem capacidade para ser contratada pelo Banco de Portugal para prestar aqueles serviços de assessoria jurídica e patrocínio judiciário.

E que serviços são esses? Não se sabe porque, como já é habitual, o caderno de encargos deste ajuste directo – onde estão os detalhes do procedimento – não está disponível na plataforma de registo dos contratos públicos, como teria de estar.

Acresce que este contrato foi celebrado quando ainda está a meio o anterior ajuste directo celebrado com a Cuatrecasas. Isto porque a 30 de Outubro de 2023, o Banco de Portugal assinou um contrato no montante de 2,8 milhões de euros com a mesma sociedade de advogados, com um período de execução de três anos, que só termina no final de Outubro de 2026.

Sede da Cuatrecasas, em Lisboa. / Foto: D.R.

Também neste caso, o objecto do contrato foi a “aquisição de serviços de assessoria jurídica e de patrocínio judiciário”. A justificação usada pelo Banco de Portugal para não fazer um concurso público foi o mesmo argumento, de que mais nenhuma outra sociedade de advogados em todo o país tem capacidade para prestar aqueles serviços.

De resto, são habituais os contratos por ajuste directo entre o Banco de Portugal e sociedades de advogados. No caso da Cuatrecasas, todos os contratos que ganhou junto do Banco de Portugal foi por ajuste directo.

Ao todo, a sociedade de advogados assinou 10 contratos na última década com aquela entidade, facturando 12,7 milhões de euros. Uma espécie de ‘avença’ milionária que já tornou tradição e que se mantém agora por mais três anos. Isto se não surgir novo ajuste directo entretanto.

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Foto: D.R.

Mas a Cuatrecasas não é a única sociedade de advogados que tem beneficiado deste tipo de ajustes directos junto do Banco de Portugal. Tal como o PÁGINA UM noticiou, em 27 de Outubro de 2023, o Banco de Portugal fez um ajuste directo com a Vieira de Almeida, considerando, sem se preocupar em fundamentar, que era a única capaz de a assessorar no dossier Novo Banco. Contudo, três dias depois, passou-lhe um atestado de incompetência ao entregar um outro ajuste directo à Cuatrecasas, para assessoria ao dossier BANIF.

Esta não é a única situação a marcar os últimos dias de Centeno nos comandos do Banco de Portugal. O antigo ministro das Finanças fez duas nomeações controversas. Assim, Centeno nomeou para um cargo de direcção no departamento de estatística do Banco de Portugal a mulher de um seu ex-secretário de Estado, Ricardo Mourinho Félix, segundo noticiou o Eco. Também reconduziu o “amigo economista” Álvaro Novo no cargo de director do gabinete de apoio ao governador, apesar de estar a terminar o seu mandato como governador (que terminou a 20 de Julho).

Além destas nomeações controversas, continua a polémica em torno do gigantesco custo do edifício que vai albergar a nova sede do Banco de Portugal. O ‘elefante branco’ deixado por Centeno representa uma despesa de centenas de milhões de euros para deslocar a sede do Banco de Portugal para os antigos terrenos da Feira Popular, em Entrecampos, Lisboa, os quais pertencem agora à chinesa Fidelidade.

Foto: D.R.

O Banco assinou um contrato-promessa de compra de edifícios para nova sede dando um sinal de 57,5 milhões de euros, sendo que o custo total pode ascender a 280 milhões de euros, segundo o Observador. Além disso, o contrato tem contingências de “alto risco”, que Centeno desvalorizou.

A somar, há ainda custos de milhões que ficam a cargo dos contribuintes com o aluguer de escritórios no antigo edifício Marconi, junto à futura sede do Banco de Portugal. Foi para estes escritórios que foram transferidos os funcionários do Banco que trabalhavam no Edifício Portugal, na Almirante Reis, que necessita de obras de conservação da fachada. (Sobre este tema, e gastos extravagantes do Banco de Portugal, o PÁGINA UM tem escrito várias notícias que pode ler AQUI, AQUI, AQUI, AQUI, E AQUI.)

A ‘queimar os últimos cartuchos’, Centeno termina assim o seu mandato ‘à grande e à francesa’, deixando para o novo governador um ‘elefante branco’ a construir, nomeações já feitas e, pelo menos, mais um ajuste directo entregue de mão beijada a uma poderosa sociedade de advogados.

Entregues, ficaram também três milhões de euros, a que acresce IVA, à consultora Ernst & Young, que foram adjudicados através de dois contratos assinados a 25 de Junho e a 2 de Julho, ao abrigo de um “acordo-quadro”.

O Banco de Portugal arrendou escritórios no antigo Edifício Marconi, situado junto aos terrenos onde se vai situar a futura sede do Banco de Portugal. Foi para este edifício que transferiu funcionários que se encontravam no Edifício Portugal, na Almirante Reis. Os custos com esta mudança temporária são da ordem dos milhões de euros, entre obras, rendas e compra de mobiliário e assessoria. / Foto: PÁGINA UM

Nada de surpreendente numa entidade cujo responsável máximo é pago a peso de ouro, literalmente, com uma remuneração anual que supera em cerca de 50 mil euros a do presidente do banco central mais poderoso do mundo, a Reserva Federal dos Estados Unidos.

Na quinta-feira, após a reunião do Conselho de Ministros, o Governo vai anunciar o nome escolhido para liderar o Banco de Portugal no próximo mandato. Seja Centeno ou outro, pelo sim pelo não, o ainda governador já garantiu que há pelouros entregues. E um ajuste directo de milhares de euros já distribuído.

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