PREJUÍZO RECORDE DE 5,1 MILHÕES DE EUROS NO ANO PASSADO
Público a caminho dos cuidados intensivos financeiros

Com o sector dos media tradicionais à beira de um colapso sistémico, o jornal Público, histórico título fundado em 1990 pelo Grupo Sonae, parece encaminhar-se a passos largos para os cuidados intensivos financeiros.
Os resultados de 2024 confirmam o agravamento da situação: mais de 5,1 milhões de euros de prejuízo, um novo recorde negativo que supera mesmo os já alarmantes resultados de 2023. Em apenas dois anos, as perdas acumuladas ascendem a 9,6 milhões de euros, o que corresponde a cerca de um terço dos 29,3 milhões de prejuízos acumulados desde 2017.

O Público nunca foi um jornal lucrativo. Desde a sua fundação, pautou-se por um compromisso pessoal de Belmiro de Azevedo — fundador do império Sonae — que aceitava suportar até dois milhões de euros de perdas anuais, numa lógica de serviço cívico e reputacional. No entanto, desde a morte do empresário, e com a profissionalização mais crua da gestão da Sonaecom, a tolerância ao insucesso tem diminuído. E o jornal, que chegou a ser um símbolo de jornalismo moderno e cosmopolita no pós-cavaquismo, tornou-se uma espécie de fardo ideológico com retorno empresarial e reputacional nulo. ↓
O jornalismo independente (só) depende dos leitores.
Não dependemos de grupos económicos nem do Estado. Não fazemos fretes. Fazemos jornalismo para os leitores, mas só sobreviveremos com o seu apoio financeiro.
Hoje, o Público vende menos de 10 mil exemplares por dia em banca — número que o próprio jornal esconde ou relativiza, enquanto promove campanhas de assinaturas digitais inflacionadas, muitas delas associadas a parcerias pouco transparentes com instituições públicas e privadas. A ilusão de crescimento digital sustenta-se, em parte, em contas de acesso gratuito por protocolos com escolas, universidades e autarquias, sem que tal se traduza em rentabilidade ou fidelização efectiva de leitores.
Mas não é apenas o modelo de negócio que está a colapsar. A credibilidade editorial do jornal também tem sido posta em causa. Desde a direcção de Manuel Carvalho — marcada por alinhamentos ideológicos e uma crescente promiscuidade entre jornalismo e negócios — que a redacção vive momentos de tensão. A liderança de David Pontes não só manteve esse rumo como o agravou, multiplicando as participações do Público em eventos comerciais com contornos duvidosos, como são exemplo as secções Azul, Terroir e Fugas.

/ Fonte: APCT; análise PÁGINA UM
Um dos episódios mais embaraçosos foi recentemente sancionado pela Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC): a participação de David Pontes como moderador em debates pagos pela autarquia de Penafiel e a Ordem dos Médicos Dentistas. A erosão da independência editorial em troca de sobrevivência financeira arrisca um colapso total.
A situação do Público espelha o afundamento generalizado da imprensa tradicional em Portugal, fruto, em muitos casos, de péssima gestão, como é o caso da Impresa (como holding), ou de problemas de credibilidade.
Depois da queda estrepitosa do grupo Trust in News — que ameaça o fim de publicações como a Visão, a Exame ou o Jornal de Letras — seguem-se dificuldades visíveis no grupo Impresa, apesar dos lucros ainda registados pela SIC e pela Impresa Publishing em 2024. A venda falhada da sede da Impresa em Paço de Arcos foi mais um sinal de alarme: uma tentativa de alienação imobiliária abortada por irregularidades na cadeia de IVA, que colocou a nu os limites do recurso à engenharia financeira para mascarar os desfalques operacionais.

Mas o colapso pode não ficar por aqui. Nas próximas semanas, dois grupos estarão sob especial atenção: a Global Notícias, que detém o Diário de Notícias, e a novel empresa Notícias Ilimitadas, que adquiriu o Jornal de Notícias, O Jogo e a TSF. Apesar de obrigadas por lei a entregar os relatórios e contas de 2024 até ao final de Junho, ambas as sociedades falharam esse dever, com a desculpa, durante semanas, de “problemas técnicos” no envio de informação ao Portal da Transparência dos Media da ERC.
Confrontada com o silêncio financeiro de várias empresas do sector, a ERC admitiu ao Página Um que, de entre os principais grupos de média, a Trust in News, a empresa gestora do Observador, a Global Notícias e a Notícias Ilimitadas não enviaram ainda os seus dados contabilísticos de 2024. O regulador promete agora tomar “diligências” para assegurar o cumprimento da lei, embora o histórico da instituição não inspire grande confiança na sua capacidade de fazer respeitar prazos ou princípios.
Neste contexto de degradação acelerada, com empresas em incumprimento, direcções editoriais em deriva e modelos de negócio cada vez mais dependentes de fundos públicos ou favores institucionais, o jornalismo dito de referência parece caminhar para o abismo — mas não culpando os seus erros: antes, as redes sociais e a dita desinformação.