PINDORAMA

O cavaleiro

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Lourenço Cazarré|10/08/2025

Passeava nas tardes de domingo, sempre domingo à tarde.

Às três em ponto, com vento ou frio, chuva ou sol, os empregados-fantasmas de sua mansão derruída moviam-se como bailarinos de corda e abriam os portões carunchados da cocheira. Pouco depois, ele surgia no alto da escada, magro, duro e invencível, os olhos azuis fincados em lugar nenhum. Com passos largos atravessava o pátio sombreado. Os galhos de todas as árvores, que haviam crescido sem controle, vinham bater-lhe no rosto, mas ele não fechava os olhos.

Empertigado, impaciente, batendo com o chicote na perna, esperava que lhe trouxessem seu cavalo de transparente fumaça. Com gosto escutava os relinchos poderosos do mais garboso dos corcéis que se aproximava batendo os cascos nas pedras centenárias do pátio e sacudindo-se em corcoveios que tiravam brilhos inesperados dos aperos de prata.

Com o capataz segurando as rédeas do animal arisco e fogoso, ele montava. Com um imperceptível gesto da cabeça leonina, ordenava ao empregado que se afastasse para o lado.

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Então, olhando duro para o nada mais distante, saía à rua.

Os moradores dos edifícios próximos, pelas frestas das cortinas, observavam-no em silêncio. Os meninos tentavam enxergar a montaria invisível. Desalentadas, as mulheres, que geram os homens, sacudiam a cabeça.

Era assim que ele iniciava seu único passeio semanal. Sereno e digno, cortava as ruas sem lançar um só olhar aos pequenos edifícios que agora conspurcavam a elegância do bairro. Também não se voltava para os antigos casarões porque ali talvez ainda residisse gente que tinha conhecimento da derrocada de sua família.

Seguia em direção à praça. Passava pelas infinitas portas cerradas do Mercado, pelas agências bancárias e pelas soturnas repartições públicas. Em frente ao Grande Hotel, invadia o passeio que dividia a praça ao meio e, ignorando os meninos que corriam a seu lado, rindo, cotovelando-se e saudando-o com palavrões, levava seu cavalo para beber no chafariz. Deixava que o animal bebesse à vontade. A seguir, dirigia-se à estreita rua principal, onde ouvia, ainda mais claramente, a explosão dos cascos do seu cavalo inexistente sobre as pedras polidas pelo tempo.

Atrás dele, de dedo colado na buzina, vinham os motoristas impacientes que, assim que podiam, dobravam na primeira transversal.

Indiferente aos homens, ao frio, à chuva, ao vento, aos automóveis, aos palavrões, ele seguia tranquilo em direção à catedral.

Passeava assim há mais de trinta anos, desde o tempo em que não havia um só edifício e os carros eram poucos. Passeava assim desde o dia em que, jovem ainda, viu levarem os dois automóveis de seu pai, desde o dia em que soube que não mais poderia voltar ao campo porque não eram mais proprietários daquelas terras, desde o dia em que soube que só lhe tinha restado aquele imperceptível cavalo na cocheira vazia, desde o dia em que ouviu o estampido do tiro no gabinete, desde o dia em que viu o corpo forte do seu pai caído sobre o tapete, desde o dia em que sua mãe refugiou-se no silêncio mais amargo.

Aos domingos, inalcançável, imperturbável, cavalgava.

Durante a semana, comia o feijão com arroz e o naco de carne que as empregadas de vizinhos bondosos, sorrateiramente, colocavam todos os dias à cabeceira da grande mesa do salão. Ao meio-dia, enquanto soava o relógio de pêndulo, envergando o melhor dos seus puídos trajes negros, descia para o almoço frugal, sua única refeição diária. Invariavelmente deixava restos, como lhe fora ensinado pela mãe.

Depois de comer voltava ao seu quarto de jovem a fim de contemplar as gravuras de puros-sangues ingleses ou para escrever bilhetes endereçados aos capatazes das fazendas desaparecidas.

Às vezes lia sem compreender os livros de Eça e de Machado de Assis.

De noite, estendido no seu leito dirigia galanteios às moças que conhecera em sua juventude. E passeava pelos campos de sua imaginação marcando bezerros, orientando a preparação das pastagens e observando as mãos grosseiras das mulheres apertando os úberes das vacas. E trotava pelos campos congelados de inverno com a faca do vento a lhe cortar o nariz de imperador romano. E cavalgava mesmo sob os mais terríveis sóis vermelhos de todos os verões.

Quando o sono demorava, caminhava pela mansão às escuras, esbarrando em móveis decrépitos, espirrando por causa das nuvens de poeira que suas botas de sola furada erguiam das tábuas frouxas, enredando-se nas teias de aranha. Durante esses passeios de sonâmbulo costumava conversar com seu pai sobre a necessidade de expandir os negócios, de buscar reprodutores na Argentina.

No derradeiro domingo de sua loucura, fez o mesmo de sempre até que o raio da morte, na infalibilidade de um motoqueiro encourado, o abateu na frente da catedral.

Era perto das cinco da tarde. Mês de julho. A neblina tinha se instalado nas ruas como que para impedir que as casas se chocassem umas contra as outras. Porque as pedras do calçamento estavam úmidas seu cavalo resvalou varias vezes, numa delas quase se indo de peito ao chão. Por isso ele segurava com firmeza as rédeas, a fim de manter o animal de seu sonho num trote muito leve.

Altaneiro como sempre, atravessara a cidade indiferente às piadas dos rapazes, aos xingamentos dos meninos e às buzinas dos carros, mas naquele dia estava sendo muito custoso dominar o ímpeto do macho, mais arisco ainda por causa da cerração.

Naquele maldito domingo de julho o homem magro e alto de desgrenhados cabelos prateados sustentou o trajeto de todos aqueles trinta anos. Não encurtaria em um só quarteirão o seu roteiro porque precisava mostrar àquela cidade, como vinha fazendo durante todos os domingos de todos aqueles anos de feitiço, que tudo continuava como antes. Não, não tinha acontecido nada. Eles precisavam saber, e estava tentando mostrar isso a eles havia trinta anos, que um fazendeiro de verdade jamais dobra o espinhaço, nem mesmo quando alguns ladrões lhe roubam as terras e o gado.

Vinha enterrado na vertigem de seus pensamentos, quando a figura rubro-negra surgiu na esquina. Não, ele não viu o negro das roupagens de couro sobre o vermelho do cavalo de rodas. Não, não ele escutou o rugido daquela fera que não era do seu tempo. Seus ouvidos eram afinados apenas para o ploqueteploque dos cavalos e para o zurrar das manadas.

Então um raio de aço e calor o atingiu entre as pernas e o projetou, desengonçado pássaro pernalta, sobre as ásperas tijoletas da pracinha da catedral.

Deitado, fitando o manto da névoa que o cobria nos derradeiros minutos de sua longa vida de embruxado, pôs-se a dar ordens urgentes aos peões: que levassem o gado para outra invernada, que marcassem os novilhos, que sacrificassem aquele pobre cavalo que estava sofrendo sobre as pedras da rua.

Depois seus lábios secos não se moveram mais.

Nos últimos segundos de sua solitária vida de encantado, enquanto as garras secas da morte cravavam-se em seu peito murcho, ele deflorou finalmente a garota com a qual não pudera se casar. E, morto, voltou pela primeira vez, depois de um longo exílio, aos vastos campos de sua infância.

Lourenço Cazarré é escritor

Texto originalmente integrado no livro Enfeitiçados todos nós.

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