VISÃO DA GRAÇA

Agora, a Mafalda já se lembra da Alemanha de 1930

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Elisabete Tavares|13/08/2025

Mafalda Anjos publicou, no dia 8 de Agosto, na revista Visão um artigo com o título “Ainda estamos aqui, apesar de vivermos tempos que nos lembram a Alemanha de 1930”. No artigo, a jornalista e ex-directora da Visão elabora sobre a ameaça de fecho que paira sobre a revista, devido à insolvência da empresa a que pertence, a Trust in News.

No artigo, aproveita para lavar as mãos e branquear o seu efectivo contributo para a crise da empresa de media e o risco de fecho da revista. E atribui as culpas da crise à extrema-direita e ao regresso de “vibes” que fazem lembrar a ascensão dos nazis ao poder na Alemanha dos anos 30.

Por um lado, é surpreendente. Afinal, Mafalda Anjos recorda-se desse episódio negro na História que levou à Segunda Guerra Mundial — e ao Holocausto. Ninguém diria que a jornalista se lembrava que tinha existido esse período na História.

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E é surpreendente por um simples motivo: Mafalda Anjos foi um dos activistas em Portugal que mais incentivou nos media a segregação da população, a perseguição e o incentivo ao ódio de uma parte dos portugueses. Foi há pouco tempo. E vale a pena recordar. Mafalda foi um dos rostos da intolerância e perseguição ao “diferente”.

Como directora da Visão protagonizou um dos mais tristes e lamentáveis eventos na História da imprensa em Portugal: a sistemática perseguição e difamação de uma parte da população portuguesa. Não por causa da sua cor de pele ou etnia. Não por causa da sua religião. Não por causa do seu género ou sexualidade. Mas apenas por isto: optaram por não tomar as novas vacinas contra a covid-19. Muitos tinham já imunidade natural (um tema que foi alvo de censura). Outros tomaram a opção por prevenção, dados os escassos dados sobre os eventuais efeitos a longo prazo das vacinas. Outros por não estarem nos grupos de risco. Outros por considerarem que os riscos da toma da vacina superavam os seus eventuais benefícios. Se Mafalda Anjos tivesse feito jornalismo, na altura, em vez de seguir a propaganda, saberia isto.

a close up of an open book with some writing on it

No seu artigo publicado este mês diz o seguinte:

“Há líderes populistas e carismáticos de direita radical que sabem tirar partido do ressentimento, oferecendo respostas simplistas para problemas complexos, tal como na Alemanha dos anos 30”.

Foi o que se passou na pandemia. Líderes políticos, usando o medo e o ressentimento, usando a propaganda, tiraram partido da crise de saúde pública para, servindo interesses económicos, abrir caminho ao reforço de poderes e supressão de direitos diversos, incluindo a liberdade de imprensa e de expressão.

“Atribuem-se culpas coletivas e escolhem-se bodes expiatórios para apontar o dedo, tal como na Alemanha dos anos 30.”

Foi que aconteceu na pandemia e Mafalda ajudou à perseguição.

“Temos novas tecnologias disruptivas que catapultam a propaganda, tal como na Alemanha dos anos 30.”

Tal como na pandemia. Mas, Mafalda, é mais do que isso. Com estas tecnologias impõe-se a censura, impõem-se uma narrativa. Difama-se insulta-se. Como fez Mafalda na pandemia.

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Os confinamentos aplicados em Portugal e outros países na pandemia deixaram um rasto de destruição na economia e na saúde física e mental. A medida foi contestada e questionada com base em evidências e estudos científicos. Quem o fez foi chamado de “negacionista”.

“E tenta-se descredibilizar os média tradicionais que denunciam as mentiras, os engodos e os perigos destes, tal como na Alemanha dos anos 30.”

Aqui Mafalda está errada. Porque houve uma evolução. Não foi preciso destruir os media tradicionais. Ao aliarem-se a propaganda, autodestruíram-se. Aliás, continuam a autodestruir-se ao publicar artigos como o de Mafalda, este mês, na Visão.   

Porque Mafalda Anjos, e outros jornalistas em Portugal, meteram o Jornalismo debaixo do tapete na pandemia e em torno de outros temas — das polémicas em torno da ideologia do género, à guerra na Ucrânia, etc. Fecharam-no, numa masmorra, a sete chaves. Condenaram o Jornalismo à obscuridade. Em vez de investigarem os vários temas da pandemia, aliaram-se aos governantes para impor narrativas. Para impor censura aos “desalinhados”. Para perseguir, denegrir, difamar, segregar os que questionavam medidas ou optavam por não tomar as vacinas ou usar as máscaras faciais.

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Sim, Mafalda, houve jornalistas a ser censurados na pandemia. Houve órgãos de comunicação social a serem alvo de censura. Ainda hoje há censura.

Foi um período negro na História de Portugal. Não apenas pela pandemia, mas pela censura, a segregação. Nasci em Abril de 1974. Assisti em choque a comentários de pessoas como Mafalda Anjos. A textos publicados na revista Visão, no Público, no Diário de Notícias, no Expresso, … Os apelos e apoios às políticas de segregação, sem qualquer base científica, mas com uma gigantesca base desumana.

Foi um período de retrocesso nos mais basilares valores europeus, do respeito pela Democracia, pelo Estado de Direito, pelos direitos humanos e direitos civis. O ‘my body my choice’ deixou de ser defendido por pessoas como Mafalda. Foi trocado pela mais pura e odiosa segregação populacional.

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Lembro-me de ver algumas publicações de Mafalda na rede X e de ter percebido, finalmente, como é que famílias de bem na Alemanha de 1930 alinharam com os nazis na perseguição a judeus. Era algo que eu nunca tinha percebido bem. Como é que “boas” pessoas se transformam em monstros, ficando possuídas pelo mais puro mal.

Sempre considerei a Mafalda uma “boa” pessoa. Nada me dizia o contrário. Até assistir ao seu comportamento na pandemia. Como jornalista e directora de um órgão de comunicação social o seu desempenho desde 2020 foi desastroso. Trocou o jornalismo, a isenção, a investigação pela ideologia, a propaganda, a censura, a perseguição e a segregação. Usou termos para denegrir e difamar, como ‘chalupa’, ‘negacionista’, ‘anti-vacinas’. Outros foram atrás e chamar nomes e insultar passou a ser normal na pandemia.

Durante a pandemia, percebi, finalmente, como “boas” pessoas na Alemanha de 1930 se tornaram apoiantes de Hitler e da ideologia e políticas nazis. Como caíram na propaganda nazi. Como se tornaram “agentes” nazis que perseguiam e denunciavam. Mafalda trocou a caneta de jornalista pela farda de “agente de saúde pública” do batalhão da propaganda da ditadura sanitária insana e anti-científica e anti-humana que se instalou nos anos da pandemia.

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Mafalda deveria ter feito o que fez Pedro Almeida Vieira. Em 2020, viajou pela Europa e testemunhou ao vivo como estava a ser gerida a pandemia, inclusive na Suécia, um dos países com a maior taxa de sucesso na gestão da pandemia. Na Suécia, não houve máscaras, em geral. Não houve perseguição pública de parte da população. Não houve medo e terror imposto por jornalistas, ao contrário do que aconteceu em Portugal.

Mafalda devia ter promovido a investigação jornalística, não a disseminação de propaganda. Devia ter investigado os números fornecidos pela Direcção-Geral de Saúde. Ou a censura e desinformação que circulavam sobre a origem da pandemia e a eficácia real do uso de máscaras. Ou o “perigo” que representavam as crianças para os avós…

Mafalda devia ter investigado, como fez Pedro Almeida Vieira, o que se passava na Ordem dos Médicos. Se o tivesse feito, teria descoberto que o então bastonário, Miguel Guimarães, escondeu numa gaveta dois cruciais pareceres do Colégio de Pediatria que não recomendavam a administração das novas vacinas contra a covid-19 a crianças e jovens saudáveis.

Estocolmo, Suécia, 2020 (Foto: PAV)

Mesmo, agora, há muito para investigar e noticiar. Ainda esta semana, o PÁGINA UM publicou uma notícia sobre um estudo científico liderado pelo maior epidemiologista do mundo, John Ioannidis. Sim, o reputado professor da Universidade de Stanford que foi perseguido e ameaçado na pandemia por fanáticos da censura sanitária que se instalou.

O estudo  revela um retrato bem diferente do proclamado durante a pandemia: 2,5 milhões de vidas salvas em três anos, quase todas em idosos, expondo o exagero e a fragilidade da narrativa oficial. E deixa em aberto a hipótese de que a vacinação de menores de 30 anos pode ter causado um impacte líquido negativo.

Ou seja, o estudo dá razão ao Colégio de Pediatria da Ordem dos Médicos e aos pareceres que foram escondidos dos portugueses. Os pareceres que Mafalda e a Visão nunca noticiaram por seguirem a propaganda da época.

Anders Tegnell, reputado epidemiologista sueco, liderou a resposta da Suécia à pandemia de covid-19 com um grande sucesso. O país, ao contrário de outros, como Portugal, praticamente não regista excesso de mortalidade. A Suécia recusou aplicar, em geral, confinamentos e o uso generalizado de máscara facial. / Foto: D.R.

Na altura, perseguiram-se pais que tinham dúvidas. Segregaram-se crianças e jovens. Aterrorizou-se a população.

Tantas notícias teria Mafalda conseguido se tivesse investigado temas da pandemia. Mas não o fez.

A pergunta é: se Mafalda vivesse na Alemanha de 1930, iria apoiar a segregação de judeus se lhe dissessem que eram uma “ameaça” à saúde pública?

Como o leitor deve ter reparado, possivelmente, não coloquei neste artigo qualquer link para nenhum dos artigos segregacionistas e de incentivo ao ódio que Mafalda publicou na Visão. Nem nenhum link para qualquer uma das suas publicações cheias de ódio publicadas nas redes sociais e que atraíram – e fortaleceram – uma multidão de gente raivosa em busca de vítimas que servissem de bode expiatório para tudo o que a pandemia trouxe, incluindo crise económica e desemprego. Não quero promover o seu ódio.

E há algo que é certo: Mafalda contribuiu para a insolvência da Trust in News, sim. Não só porque era directora da Visão e publisher, como tinha acesso, se quisesse, às demonstrações financeiras da empresa de Luís Delgado. Podia ter actuado. Por outro lado, ajudou a arrastar a Visão para a lama do descrédito público, ao alinhar com propagandas e narrativas únicas, ou seja, ao recusar investigar a fundo todos os temas, sem excepção. O leitor não é burro.

Revista Visão (Foto: PÁGINA UM)

Quando o PÁGINA UM alertou para a grave crise que a TIN vivia e o seu gigantesco passivo e dívidas ao Estado, o que fez Mafalda? Respondeu ao Pedro Almeida Vieira que os seus artigos sobre a crise da TIN “eram fantasiosos”. Estávamos em Julho de 2023.

Passado uns escassos cinco meses, abandonou o barco, quando o PÁGINA UM tinha tornado público que o seu barco se estava a afundar. Tentou salvar a pele e sair com uma indemnização superior a 50 mil euros. Hoje é uma das credoras da TIN. Mafalda foi directora da Visão e directora editorial (publisher) da TIN durante anos.

Agora, tenta lavar a sua imagem e as suas mãos. E a revista Visão ainda lhe dá a honra de publicar lá um artigo. Inacreditável.

Mafalda não sabe pedir desculpa. Nem à Visão, a qual arrastou para guerras ideológicas e para máquinas de propaganda. Nem aos leitores que se foram afastando. Nem sabe pedir desculpa aos que perseguiu e contra os quais incentivou o ódio e a segregação.

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Mafalda ainda pode continuar a ser “boa” pessoa e ter apenas ter caído temporariamente na propaganda sistémica e coordenada que se instalou na pandemia. Pode ter sido fraca. Pode ter ficado possuída pelo mal — o mal que odeia, que segrega, que censura. Mas nunca pediu desculpa. E penso que ninguém espera que o venha a fazer. Pelo contrário. Como outros, vai branquear a sua imagem e o seu papel. Vai procurar que se esqueça o que escreveu e o ódio que promoveu.

Uma coisa é certa: Mafalda agora fala da Alemanha de 1930. Agora, Mafalda lembra-se. Recorda-se que houve períodos na História em que pessoas foram perseguidas por vizinhos, por amigos. Houve censura. Houve medo. Houve denúncias. Talvez, assim, numa futura crise, Mafalda não volte a fazer parte dos que perseguem, odeiam e segregam. Quem sabe.

Lamento profundamente o que se passa com a Visão e as restantes publicações da TIN. Os postos de trabalho ameaçados. Os salários em atraso. Por isso, assistir à publicação de textos como o de Mafalda Anjos na Visão gera estupefacção. Porque a Europa vive, de facto, sob a ameaça de uma burocrática censura digital que se instala, com ajuda de leis novas que reprimem a liberdade de imprensa, mesmo que sejam “vendidas” embrulhadas em boas intenções. Há ameaças à democracia no Ocidente. Mas Mafalda continua a não conseguir ver a floresta da qual Portugal faz parte e de como o que se passa no país é ditado por políticas decididas no exterior, com a cumplicidade de políticos e partidos nacionais.

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Vivem-se tempos similares aos da Alemanha de 1930? Sim. Mas não é de hoje. Já se escreve sobre isso há anos, inclusive aqui no PÁGINA UM. Por isso, é bom que agora Mafalda se lembre, finalmente, da Alemanha dos anos 30. Mas também tem “muita lata” em vir falar disso agora. Mafalda tem ajudado e contribuído para que este clima de opressão se instale e prospere. Fez parte dele até, a dado momento. E enquanto não pedir desculpa pelo que fez aos portugueses, à Visão e ao Jornalismo, escusa de vir queixar-se. Soa a lágrimas de crocodilo – daqueles que, como bons predadores, já tem a barriga cheia de uma vítima qualquer.

Elisabete Tavares é jornalista

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