EDITORIAL DE PEDRO ALMEIDA VIEIRA
Froes, o pneumologista pornógrafo

A pornografia, na sua acepção literal, é a mercantilização despudorada do corpo, reduzido a mercadoria e instrumento de prazer alheio, sem pudor nem compromisso com outra coisa senão o gozo imediato de quem consome e o lucro de quem fornece. Mas o termo, na sua dimensão figurada, vai muito além da carne exposta. Há pornografias de várias ordens: intelectual, científica, mediática, política. Sempre que alguém vende o seu saber — ou o simulacro dele —, a sua influência, a sua credibilidade, ou mesmo a sua alma, com o único fito de alimentar interesses alheios e lucrar, está-se perante pornografia. A moeda de troca já não é a nudez, mas a rendição ética.
É dessa pornografia figurada que falo. Da pornografia científica que se vende ao melhor pagador, travestida de credibilidade académica, polida com currículos e adornada com cargos institucionais. Da pornografia mediática que ocupa colunas e microfones, não para esclarecer, mas para seduzir, amedrontar ou moldar a opinião pública conforme a cartilha dos patrocinadores. E é aqui que entra, inevitavelmente, o nome do pneumologista Filipe Froes.

Froes é um caso de escola da promiscuidade na Medicina portuguesa. E uso o termo “promiscuidade” no seu sentido mais técnico: não o da devassidão carnal, mas o da ausência de pudor em cruzar fronteiras e confundir interesses. Não é homem de fidelidades exclusivas. Não se confina a um patrocinador: todas as farmacêuticas lhe servem. Com todas tem conflitos de interesse; de todas recolhe proveito. E quando fala — e fala muito, sobretudo desde a pandemia da COVID-19 — fá-lo proporcionalmente ao seu “salário” extra-médico, somado ao vencimento do Serviço Nacional de Saúde. ↓
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Um olhar sobre os registos de transparência das próprias farmacêuticas, compilados pelo PÁGINA UM, mostra que só este ano já arrecadou 31.550 euros — cerca de 4.500 euros mensais — pagos por laboratórios, aos quais se soma o ordenado como médico hospitalar.
Pode parecer muito, mas é pouco: em Agosto de 2023 fiz um levantamento no Portal da Transparência e Publicidade do Infarmed e, oficialmente, Froes contava com 324 prestações de serviços ou apoios de farmacêuticas que lhe valeram 453.635,37 euros. Agora, já ultrapassou há muito o meio milhão.

Este é o mesmo Froes que nunca revela — e que a imprensa raramente pergunta — com quem trabalha, quanto recebe e que interesses defende. É o mesmo que, em Agosto de 2025, surge novamente nos noticiários a falar sobre a COVID-19, ressuscitando um dos capítulos mais negros da nossa contemporaneidade. Não pela doença em si, mas pela forma como foi gerida: com medo, com medidas erráticas, com a política a submeter a ciência e com a ciência a submeter-se à política.
Foi um tempo em que as fronteiras entre recomendação médica e marketing corporativo se dissolveram, em que a comunicação em saúde deixou de ser um serviço público para se tornar um espectáculo de manipulação.
Mesmo em 2025, quando as terapias genéticas contra a COVID-19 caem em desuso e finalmente a investigação independente começa a assumir que foi um erro injectar em massa adultos saudáveis com menos de 60 anos — e um erro ainda maior fazê-lo em jovens —, Froes continua como consultor de uma farmacêutica espanhola, a Hipra, para uma vacina contra a doença. Uma vacina que já chega fora de tempo, como aquelas agendas que, vendidas em Agosto, são quase puro desperdício, salvo para quem ainda lucra com a sua impressão.

O problema maior não está apenas nos conflitos de interesse; está no uso que Froes sabe fazer de uma imprensa dócil, composta por jornalistas que não sabem ou não querem saber. Num país onde morrem, todos os dias, cerca de 15 pessoas de pneumonia, as manchetes de hoje deram eco à “notícia” de que 38 pessoas morreram com COVID-19 nos primeiros 10 dias de Agosto. A matemática é, porém, simples: menos de quatro por dia. Seria desejável que ninguém morresse, mas 38 num universo de mais de 3.500 óbitos nesse período representa 1,1% do total. Há doenças muito mais letais e ignoradas.
Aliás, ironicamente, hoje, um artigo científico publicado na BMC Pulmonary Medicine, tendo Froes como co-autor, destaca a mortalidade e o perfil dos internados de uma doença bem caracterizada e muito mais letal em Portugal: a pneumonia, que resulta em mais de 50 mil internamentos por ano e uma taxa de mortalidade de 22,5%. Froes sabe disso, mas prefere continuar a surfar a onda do negócio da COVID-19.
Pior ainda: não há qualquer agravamento anómalo da COVID-19 nesta época do ano. Pelo contrário, excluindo o ano inaugural de 2020 — em que o país viveu confinado e quase sem ir à praia no Verão —, a mortalidade por COVID-19 nos primeiros 10 dias de Agosto de 2025 é a mais baixa de sempre. Em 2021, já com vacinação em curso, morreram 121 pessoas; em 2022, foram 98; em 2023, 51; e no ano passado, 50. Este ano, 38. Os números não mentem, mas são tratados como se mentissem: ignorados, manipulados ou apresentados sem contexto.

O objectivo é transparente para quem não vive anestesiado: Setembro aproxima-se, e com ele o início da estação das campanhas de vacinação. Há que criar ambiente, cultivar receios, manter vivo o espectro de uma doença que encheu contas bancárias e agendas.
Será mais uma dose de reforço para “proteger os vulneráveis” — leia-se, mais uns milhões para as farmacêuticas, mais uns milhares para quem as serve na praça pública. A pornografia da COVID-19 não é feita de imagens explícitas, mas de gráficos truncados, declarações alarmistas e uma luxúria pelo palco mediático que se mede em euros.
E assim, a pornografia científica continua. Com actores pagos, enredos repetitivos, figurantes crédulos e uma audiência enganada. Froes é apenas um dos protagonistas. Mas, na pobreza ética da nossa saúde pública e na indigência crítica do nosso jornalismo, basta um protagonista para comandar a encenação.