ESTE ANO, ACTOS NEGLIGENTES PROVOCAM SEIS EM CADA 10 IGNIÇÕES

Vandalismo lidera causas dos incêndios rurais

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Pedro Almeida Vieira|15/08/2025

Ano após ano, a discussão sobre a origem dos incêndios rurais regressa, mas a fotografia das causas parece saída de um carrossel que dá sempre a mesma volta. Em 2025, os dados oficiais do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF) mostram que, das 2.876 ocorrências já investigadas — que representam menos de metade das ignições registadas —, o “vandalismo” — definido como a “utilização do fogo por puro prazer de destruição” — surge como a principal causa isolada mais frequente.

Até agora, de acordo com a informação consultada esta tarde pelo PÁGINA UM, foram 489 ignições imputadas ao vandalismo, representando 17,0% do total.

Incêndios destruidores não dependem da causa. Foto: Paulo Jorge de Sousa

Mas se o vandalismo se destaca como causa no sistema de codificação do ICNF, a negligência, considerada de forma agregada, é a causa maioritária das ignições contabilizadas: quase seis em cada dez (58,2%) resultam de actos pouco cuidadosos que, não tendo dolo, podem ainda assim ser tipificados como crime.

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Neste vasto lote incluem-se queimadas para renovação de pastagens, limpeza de restolho, queima de matos, borralheiras ou outros usos semelhantes, que só este ano já somam 802 ocorrências, equivalentes a 27,9% do total com causa conhecida — mais de um quarto.

Entre as causas negligentes mais inusitadas destacam-se incidentes ligados a transportes e comunicações, incluindo falhas diversas (81 ocorrências), o uso imprudente de alfaias agrícolas (79) e outras situações acidentais não especificadas (77). Surgem também, com frequência, queimadas extensivas para limpeza de caminhos, acessos e instalações (49), operações inseguras com maquinaria diversa (40) e a queima clandestina de amontoados de lixo (35).

torch with fire

O simples acto de fumar a pé foi responsável por 32 ocorrências, seguido do uso de máquinas agrícolas (31) e do lançamento legal ou ilegal de foguetes (37), bem como incêndios provocados por tubos de escape de veículos (22) e fogueiras improvisadas para confecção de comida (21). Até acidentes de viação (9) e brincadeiras de criança (8) entram nesta lista. Saliente-se que o grau de destruição de um incêndio rural não depende da causa da ignição.

Considerando os grandes grupos, somente 32,0% das ignições foram classificadas, por agora, como dolosas (intencionais), sendo que o incendiarismo sem indicação da imputabilidade regista 3% do total (86 casos), enquanto a piromania representa 0,4% (11 casos) e as vinganças 0,6% (17 casos). Um grupo relevante de ignições (293 casos, equivalentes a 10,2% do total) foi classificado como intencional imputável com motivações diversas.

Uma outra componente particularmente perigosa são os reacendimentos — fogos que voltam a ganhar força depois de extintos e que podem originar vários focos —, representando 8,4% do total em 2025. Já as causas naturais, como a queda de raios, não chegam a 1,3%.

A large plume of smoke rising from a forest

Este retrato repete-se quase ao detalhe quando comparado com 2024: no ano passado, o vandalismo também liderou as causas conhecidas do ponto de vista da codificação, com 17,9% (778 ignições), sendo que o total de ignições de origem intencional ficou ligeiramente acima dos números relativos de 2025 — 37,9% contra 32%. As diversas tipologias de negligência ficaram, em 2024, nos 52,5%, os reacendimentos mantiveram-se nos 8,6% (373 ignições) e as causas naturais em 0,9%.

Note-se que, por agora, o ICNF reporta este ano um total de 6.253 ignições, mas 2.472 ainda nem sequer foram investigadas ou tiveram conclusão, muitas por serem recentes, havendo ainda outras 905 que, apesar de investigadas, acabaram classificadas como “indeterminadas” por falta de elementos objectivos. Ou seja, menos de metade (46%) dos incêndios de 2025 têm, neste momento, uma causa oficial atribuída. O resto está num limbo estatístico que, por ausência de investigação ou de prova, não permite perceber de onde vem o fogo.

O sistema de classificação do ICNF é hierárquico e contém dezenas de códigos que agrupam causas em grandes blocos: “uso do fogo” (onde entram as queimadas e fogueiras), “acidentais” (máquinas, linhas eléctricas, acidentes), “estruturais” (conflitos de uso do solo, danos provocados por vida selvagem), “incendiarismo” (dolo, incluindo vandalismo) e “naturais” (raios). Dentro de cada bloco, a especificidade é extrema: por exemplo, as queimadas têm nove subtipos, desde a limpeza de terrenos agrícolas à penetração em zonas de caça.

Esta multiplicidade revela que o fogo em Portugal não tem uma única origem nem um único culpado. Temos incendiários que ateiam fogos por “puro prazer de destruição” e agricultores que continuam a recorrer ao fogo para limpar campos ou renovar pastagens. Temos negligência, temos dolo, temos reacendimentos que denunciam fragilidades no combate e temos causas acidentais ligadas a máquinas e infra-estruturas.

É um mosaico complexo que, ao longo dos anos, mantém uma espantosa estabilidade nos seus padrões percentuais. Aliás, tal como as deficiências na gestão dos espaços rurais, os problemas de desertificação, os problemas crónicos na estrutura de prevenção e combate – tudo, na verdade, está interligado para o desastre cíclico.

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