ANÁLISE ESTATÍSTICA DO PÁGINA UM ESTIMA DESTRUIÇÃO DE 283 MIL HECTARES ATÉ DEZEMBRO
Incêndios: 2025 já é, garantidamente, o quarto pior ano do século

Portugal vive uma tragédia anunciada sempre que chega o Verão. As imagens repetem-se, mas a dimensão de cada ano nem sempre fica gravada na memória colectiva pelos números finais. O ano horribilis de 2017 parece longínquo, quando arderam 540.654 hectares, números impressionantes mesmo para os mais pessimistas — e desses, 336 mil hectares arderam já depois da primeira metade de Agosto, sendo que a maior parte ocorreu com o Outono avançado, a 17 de Outubro.
Em 2025, quando ainda se está em pleno mês de Agosto, a contabilidade dos incêndios já atingiu 172.065 hectares de área ardida, segundo dados do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF), sendo o quarto pior do século, somente atrás de 2017, de 2003 (471.813 hectares) e de 2005 (346.731 hectares). Estes três anos vieram, aliás, colocar o patamar da destruição dos incêndios rurais num nível impensável no século XX, quando um “ano mau” significava valores ligeiramente acima de 100 mil hectares.

O carácter errático da destruição, embora cíclica — porque após anos de grande devastação as áreas ardidas servem de tampão durante quatro ou cinco anos —, impede previsões com grande certeza. Porém, uma análise conduzida pelo PÁGINA UM às séries estatísticas desde 2001 mostra que, embora seja pouco provável que se atinjam os valores de 2017, 2003 e 2005, o ano de 2025 tem uma probabilidade significativa de chegar aos 283 mil hectares consumidos até Dezembro, sendo que o intervalo de confiança aponta para valores entre 208 mil, num cenário optimista, e 357 mil hectares, num cenário pessimista. ↓
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Em todo o caso, aquilo que torna a análise mais relevante é perceber que a tragédia de cada ano não se decide apenas no que ardeu até 17 de Agosto. Com efeito, a estatística mostra um padrão instável, por vezes surpreendente: a segunda metade do Verão e o início do Outono podem alterar radicalmente o balanço final. Em 2003, por exemplo, apenas 12,1% da área total ardeu depois de 17 de Agosto, mas em 2005 essa percentagem foi de 38,8%. Já em 2017, o cenário foi devastador: 62,2% da área ardida concentrou-se após essa data, quando Outubro trouxe condições meteorológicas explosivas, somadas aos fogos fora de época de Junho.
Este elemento estatístico é crucial para compreender o risco que ainda paira em 2025. Se, até 17 de Agosto, já se registaram mais de 172 mil hectares consumidos, a experiência histórica mostra que o “resto do ano” pode significar desde um pequeno acréscimo (como em 2003) até uma catástrofe desproporcionada (como em 2017). A variabilidade é enorme, o que torna a previsão mais um exercício de intervalos do que de certezas. A estatística serve aqui de alerta: em cerca de duas décadas e meia de registos, houve anos em que pouco ou nada aconteceu após Agosto e outros em que o pior ficou reservado para o fim.

O PÁGINA UM aplicou um modelo estatístico rigoroso, mas explicado em termos acessíveis: partindo da série anual de 2001 a 2024, foi feita uma regressão para avaliar o que se pode esperar quando já se conhece a área ardida até 17 de Agosto. Esta técnica permite projectar, com base em padrões históricos, qual será a área total até ao final do ano. O modelo aponta para um valor central de 283 mil hectares, que corresponde a um acréscimo médio de 111 mil hectares até Dezembro, mas com a possibilidade de o valor oscilar entre mínimos de 36 mil e máximos de 185 mil hectares adicionais. É a matemática da incerteza aplicada à realidade das florestas portuguesas.
De todo o modo, 2025 já está condenado a figurar entre os piores capítulos desta história negra. Mesmo que não se repita um Setembro como o do ano passado, quando arderam quase 130 mil hectares, ou o de 2013, com mais de 100 mil, ou, pior ainda, o Outubro de 2017, o valor mínimo previsto garante-lhe o quarto lugar no ranking.
Mas, caso os próximos meses sejam particularmente severos, poderá aproximar-se do trágico patamar de 2005 e até ameaçar a barreira dos 300 mil hectares. O país continua, assim, refém de um destino florestal que se repete em ciclos, com variações de intensidade mas sempre com a mesma marca: o fogo que destrói território, património natural e vidas humanas.

Este diagnóstico é mais do que uma estatística: é um sinal de que Portugal não conseguiu quebrar o ciclo de catástrofes. E aquilo que se anuncia para 2025 é não apenas a confirmação de um ano terrível, mas a prova de que, passadas mais de duas décadas desde os grandes fogos de 2003, continuamos a oscilar entre anos mais benignos e anos catastróficos sem uma estratégia clara de contenção estrutural.
O futuro imediato, até ao final deste ano, permanece uma incógnita, mas a estatística avisa: o pior pode ainda estar para vir. E se não vier, o trágico é ficar-se a saber que se não arder mas este ano, certamente que arderá nos próximos, porque esse tem sido o destino dos espaços rurais em Portugal ao longo das últimas décadas.