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20 cidades de Lisboa: área ardida supera já fasquia desastrosa dos 200.000 hectares

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Pedro Almeida Vieira|18/08/2025

A história repete-se com o mesmo dramatismo e a mesma sensação de impotência. Portugal ultrapassou esta noite a mítica fasquia dos 200 mil hectares de área ardida em 2025, segundo os dados oficiais do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF), consultados e analisados pelo PÁGINA UM.

São já 203.422 hectares queimados, número que reconfirma este ano como o quarto pior desde que existem registos estatísticos, iniciados na década de 1940. A dimensão da tragédia equivale a 20 vezes a área da cidade de Lisboa, um valor simbólico que marca uma fronteira que todos sabiam ser possível, mas que se esperava, talvez ingenuamente, que pudesse ser evitada.

silhouette of trees on smoke covered forest

Até agora, a barreira dos 200 mil hectares só tinha sido superada em três ocasiões, todas já neste século XXI. A primeira foi em 2003, quando o fogo reduziu a cinzas 471.813 hectares. Dois anos depois, em 2005, voltou-se a cair no mesmo abismo, com 346.731 hectares devastados. Mais recentemente, em 2017, registou-se o pior ano de sempre, com 540.654 hectares queimados, uma ferida ainda aberta na memória colectiva.

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O facto de 2025 se juntar a esta curta lista mostra que, apesar de duas décadas de planos estratégicos, de reestruturações sucessivas proclamadas na Protecção Civil e de discursos políticos inflacionados, Portugal continua incapaz de quebrar o ciclo da devastação.

A fotografia estatística de 2025 tem um rosto particularmente sombrio: o distrito da Guarda. Com 79.586 hectares destruídos, este é já o pior registo distrital do século XXI, correspondendo a cerca de 15% do território total do distrito. Em termos relativos, é uma tragédia que não encontra paralelo recente, deixando claro que o Interior profundo, despovoado e envelhecido, continua a ser o palco principal da catástrofe florestal. A Guarda, sozinha, concentra quase 40% da área ardida de todo o país.

Mas a devastação não se fica por aqui. Em Coimbra arderam 41.247 hectares, em Viseu foram 21.489 hectares, e em Bragança o fogo consumiu 13.877 hectares. Estes quatro distritos somam mais de três quartos da área ardida de Portugal em 2025, revelando uma desigualdade territorial chocante: enquanto os distritos do Interior vivem um cenário de catástrofe, no Litoral e no Sul quase nada se registou.

No extremo oposto, Lisboa conta apenas 63 hectares, Faro 32 e Leiria 26, números residuais que contrastam violentamente com os da Guarda. O país arde, mas arde sobretudo sempre nos mesmos sítios, como se a repetição fosse um destino inevitável.

Se os números anuais já seriam suficientes para definir 2025 como ano negro, o retrato mensal não deixa espaço para dúvidas: este mês de Agosto, ainda por terminar, é já o quarto pior mês deste século, com 166.316 hectares consumidos em apenas 19 dias.

Supera de longe qualquer outro Agosto da última década e só é ultrapassado por Agosto de 2003 (312.411 hectares), Outubro de 2017 (289.126 hectares) e Agosto de 2005 (212.917 hectares). Com quase duas semanas ainda pela frente, a perspectiva de que este Agosto suba no ranking da destruição é elevada, colocando em risco a estabilidade do país não apenas em termos ambientais, mas também económicos e sociais.

A sucessão destes números devastadores revela a falência de políticas que, desde 2003, se anunciaram como redentoras. Do Plano Nacional de Defesa da Floresta Contra Incêndios às reorganizações das corporações de bombeiros, passando pelo investimento em meios aéreos e pelo reforço orçamental das campanhas de prevenção, tudo parece esbarrar no mesmo problema estrutural: uma paisagem desordenada, um mundo rural abandonado e um Estado que se limita a gerir emergências em vez de intervir na raiz.

O resultado é o que se vê: hectares atrás de hectares transformados em cinza, com os mesmos distritos sempre na linha da frente do sacrifício. E Lisboa política a assistir pesarosa, embora com muitas culpas no cartório.

Mais do que estatísticas, há uma realidade crua: no mês de Agosto em curso, por cada hora que passou ardeu em média 385 hectares, ou seja, 9.240 hectares por dias – são mais de 10 mil campos de futebol a arder. E não é apenas a floresta que se perde. São solos que se degradam, habitats que desaparecem, populações que se sentem sitiadas, e depois abandonadas nas cinzas, e economias locais que ficam amputadas. Quando a Guarda perde 15% do seu território para as chamas, não é apenas a natureza que é devastada: é uma parte inteira do país que se apaga.

No fundo, a ultrapassagem da fasquia dos 200 mil hectares em 2025 não é apenas um número redondo e trágico. É a prova de que, duas décadas depois dos anos infernais de 2003 e 2005, e oito anos após o horror de 2017, Portugal continua prisioneiro do mesmo ciclo de fogo, incapaz de transformar a memória das tragédias em prevenção efectiva. Os discursos oficiais repetem-se, os planos multiplicam-se, exaltam-se os bombeiros, transformam-se as vítimas em heróis, mas a floresta, já cada vez mais débil e sem sustentabilidade, continua a arder com a mesma fúria. E, pior ainda, com a mesma previsibilidade.

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