COMIDA ULTRAPROCESSADA E MARKETING DA 'JUNK FOOD' APONTADAS COMO CAUSAS
Obesidade já ultrapassou subnutrição entre crianças e adolescentes

Pela primeira vez na História da Humanidade, a obesidade ultrapassou a subnutrição entre crianças e adolescentes em idade escolar, alertou ontem o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF). Ao invés de ser uma boa notícia, este é um preocupante alerta, porque é um sinal de má nutrição sobretudo por se dever a hábitos alimentares assentes em alimentos ultraprocessados.
Num relatório intitulado Feeding Profit: How Food Environments are Failing Children, divulgado no final desta semana, a UNICEF traça um retrato inquietante: já uma em cada 10 crianças entre os 5 e os 19 anos — cerca de 188 milhões em todo o Mundo — vive já com obesidade, enfrentando riscos acrescidos de doenças potencialmente fatais, como diabetes tipo 2, hipertensão, problemas cardiovasculares e certos tipos de cancro. Para crianças, a obesidade é definida como ter um índice de massa corporal (IMC) igual ou superior ao percentil 95 para idade e sexo.

Os números mostram uma inversão completa da tendência dos últimos 25 anos. Se, no ano 2000, quase 13% das crianças em idade escolar estavam abaixo do peso e apenas 3% eram obesas, hoje a proporção de crianças subnutridas caiu para 9,2%, enquanto a obesidade disparou para 9,4% — ultrapassando pela primeira vez a prevalência do baixo peso em quase todas as regiões do Mundo. Ou seja, a prevalência da obesidade nestas faixas etárias triplicou em pouco mais de duas décadas. ↓
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O relatório dedica particular atenção à África do Sul, onde a situação é descrita como “profundamente preocupante”: entre as crianças com menos de 5 anos, a taxa de excesso de peso e obesidade passou de 13% em 2016 para 23% em 2024. No grupo etário dos 5 aos 19 anos, os números também são alarmantes: de 9% em 2000, a prevalência de excesso de peso subiu para 21% em 2022, com a obesidade a mais que triplicar no mesmo período, de 2% para 7%.
Segundo a UNICEF, este fenómeno está intimamente ligado à substituição crescente de frutas, legumes e proteínas por produtos ultraprocessados e refeições rápidas, cada vez mais presentes em escolas, supermercados e na dieta diária das famílias. “As crianças não escolhem este ambiente alimentar: ele é-lhes imposto”, denuncia o relatório, que responsabiliza a indústria alimentar pelo papel dominante na modelação das preferências infantis, recorrendo a estratégias de marketing agressivas, muitas vezes direccionadas para o público mais jovem.

Num inquérito global conduzido pela plataforma U-Report em 2024, três em cada quatro jovens entre os 13 e os 24 anos declararam ter visto publicidade de refrigerantes, snacks ou fast-food na semana anterior, e 60% reconheceram que estas campanhas aumentaram a sua vontade de consumir tais produtos.
Nos Estados Unidos, segundo a autoridade de saúde (CDC), a prevalência de obesidade entre crianças e adolescentes aproxima-se dos 20%, significando que 14,7 milhões de jovens americanos com idades entre 2 e 19 anos têm excesso de pessoa.
A prevalência deste problema atinge mais as populações pobres, mostrando que as famílias com menos recursos são forçadas a recorrer a mais alimentos utraprocessados. A questão da melhoria dos hábitos alimentares dos norte-americanos, incluindo a retirada de ingredientes e aditivos sem padrões de segurança, tem sido uma das batalhas de Robert Kennedy Jr, secretario de Estado da Saúde, mas que tem tido uma contestação da influente indústria alimentar que se aproveitou de brechas legais.

Se nada for feito para deter a nível mundial a ‘epidemia da obesidade’ assente na chamada ‘junk food’, a UNICEF prevê impacto futuro poderá ser devastador, tanto para os sistemas de saúde como para as economias nacionais. Estima-se que o custo global da obesidade e do excesso de peso poderá ultrapassar os 4 mil milhões de dólares anuais até 2035.
Para inverter esta trajectória, a UNICEF propõe um pacote de medidas robustas: proibição de venda e marketing de ultraprocessados em ambiente escolar, implementação de políticas obrigatórias de rotulagem clara e restrição da publicidade alimentar dirigida a menores, além de programas de apoio social que assegurem o acesso das famílias mais vulneráveis a dietas nutritivas. O relatório insiste ainda na necessidade de blindar a formulação das políticas públicas contra a interferência das grandes indústrias alimentares, de forma a colocar o interesse das crianças acima dos lucros corporativos.