A VIDA AIRADA DE DOM PERDIGOTE
Paulo Moreiras vence Prémio de Ficção Narrativa

O escritor Paulo Moreiras, colaborador habitual do PÁGINA UM nas recensões literárias, foi distinguido esta terça-feira com o Prémio PEN de Ficção Narrativa pelo romance ‘A Vida Airada de Dom Perdigote‘, uma das obras mais vibrantes da ficção portuguesa recente. O júri, composto por Sérgio Guimarães Sousa, Teresa Carvalho e Everton Machado, atribuiu o galardão por unanimidade, elogiando o “notável fôlego romanesco” e o “virtuosismo no género picaresco e no romance histórico”. O prémio é patrocinado pela Direção-Geral do Livro, dos Arquivos e das Bibliotecas (DGLAB).
Com este reconhecimento, Paulo Moreiras consolida-se como um dos grandes continuadores da tradição picaresca na literatura portuguesa contemporânea, com uma escrita de “opulência lexical invulgar”, como vincou o júri do prémio, e de uma expressividade literária rara, patente também nos seus romances anteriores, como a ‘Demanda de D. Fuas Bragatela‘ (2002), ‘Os Dias de Saturno‘ (2009) e ‘O Ouro dos Corcundas‘ (2011), para além de uma vasta obra literária em redor da gastronomia tradicional, do contos e até da poesia.
Aproveitamos para recordar a conversa entre amigos e apaixonados pela literatura que o escritor manteve com Pedro Almeida Vieira na Biblioteca do PÁGINA UM, onde ambos partilharam reflexões sobre o humor, o artifício narrativo e o prazer da escrita — um diálogo que ganha agora novo brilho com esta justíssima distinção.
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Há escritores que impressionam pela vastidão do seu vocabulário ou pela erudição das suas referências. Outros, mais raros, conquistam os leitores pela autenticidade com que erguem uma obra onde forma e substância se entrelaçam como os aromas de um prato bem apurado. Paulo Moreiras pertence a este segundo grupo, mas bebe também no primeiro: é um escritor de corpo inteiro, daqueles que escrevem como vivem – com intensidade, com gosto, com ironia e com apurada consciência da língua como território de criação e de prazer.
Mas Paulo Moreiras tem outras particularidades: não separa a literatura da vida, nem a vida da mesa – porque em ambas há uma celebração do humano. E é talvez por isso que o seu percurso literário, embora diverso nos géneros, revela uma coerência que só os verdadeiros artesãos da palavra conseguem manter. A sua escrita, depurada mas sensorial, combina a sofisticação estilística com um olhar agudo sobre a História e a natureza humana, frequentemente cruzando o riso e o desalento com uma elegância pouco comum no nosso panorama literário.

Entre as suas obras mais emblemáticas, O Ouro dos Corcundas, Os Dias de Saturno e sobretudo A Demanda de D. Fuas Bragatela – talvez o mais exemplar da sua veia picaresca – são testemunhos de um autor que sabe percorrer os meandros da alma portuguesa com irreverência e ternura, evocando, por vezes, o espírito de Quevedo ou de Camilo, mas com uma voz inconfundivelmente própria. O pícaro de Paulo Moreiras – que atinge um apogeu (mas não o Apogeu) com A Vida Airada de Dom Perdigote, publicado em 2023, não é apenas o malandro que engana o mundo: é também o homem que, ao tropeçar na sua própria condição, revela os vícios e virtudes de todos nós. ↓
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A escrita de Paulo Moreiras cheira a terra molhada, a tascas escuras, a pergaminhos esquecidos, e talvez meta peixe grelhado e ironia bem temperada. Esse mesmo requinte surge na construção das suas personagens e enredos, onde está à mesa a gastronomia, onde se revela igualmente exímio. Não é de espantar que seja presença regular no PÁGIINA UM, onde colabora com recensões que se movem entre a história dos alimentos, a crítica culinária e a memória gustativa — textos onde a erudição se mistura com o prazer do paladar, numa escrita que dá vontade de ler com os olhos e com o estômago.

Paulo Moreiras não é apenas um autor: é um contador de histórias, um desenhador de sabores, um filósofo das pequenas coisas. E é com esse espírito — culto, mordaz, mas também afável e generoso — que chega hoje à BIBLIOTECA DO PÁGINA UM. A conversa com Pedro Almeida Vieira não é uma entrevista nem uma conferência: é um reencontro de amigos que cultivam alíngua que falamos e honram pão que comemos.
Entre os romances patentes na Biblioteca do PÁGINA UM, Paulo Moreiras recomenda os romances ‘Eurico, o Presbítero’ (1844), de Alexandre Herculano; ‘Vida e Obras de Dom Gibão’, de João Palma-Ferreira (1987); ‘As Viúvas de Dom Rufia’ (2016), de Carlos Campaniço; e ‘O Feitiço da Índia’ (2012), de Miguel Real.
