26,1% VS 41,6% NOS MAIORES DE 60 ANOS

Vacinas: covid-19 perde o jogo da confiança contra a gripe

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Pedro Almeida Vieira|31/10/2025

A vacinação contra a covid-19 está a ser progressivamente abandonada, mesmo pelas faixas etárias mais idosas, enquanto a vacina contra a gripe mantém níveis estáveis de confiança e adesão. Esta é a conclusão de uma análise do PÁGINA UM aos dados mais recentes divulgados pela Direcção-Geral da Saúde (DGS), referentes a 26 de Outubro de 2025, e confrontados com os dos dias 27 de Outubro de 2024 e 29 de Outubro de 2023.

De acordo com os registos oficiais, em apenas dois anos a cobertura vacinal da covid-19 caiu em todos os grupos acima dos 60 anos, numa tendência de erosão gradual que contrasta com a consolidação das taxas de imunização contra a gripe sazonal.

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Nesta fase da época outonal, entre os maiores de 85 anos, a cobertura vacinal da covid-19 desceu de 49,4% em 2024 para 43,1% em 2025. Em 2023, apenas existiam dados agregados para os maiores de 80 anos. Este grupo, que integra uma grande parte dos residentes em lares — muitas vezes com limitada autonomia na decisão vacinal —, revela mesmo assim um recuo superior a seis pontos percentuais, confirmando que até os mais vulneráveis deixaram de considerar prioritário o reforço anual contra o SARS-CoV-2.

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Considerando o conjunto dos maiores de 80 anos, nesta altura do ano apenas quatro em cada dez decidiram vacinar-se contra a covid-19. Na gripe, o padrão é precisamente o oposto: 57,2% em 2025, praticamente igual aos 59,7% em 2024 (com mais um dia de vacinação contabilizado), e muito acima dos 47,1% registados em 2023. Ou seja, enquanto a gripe conquista estabilidade e confiança, a covid-19 perde atracção social entre os mais idosos.

Entre os 70 e 79 anos, a erosão é ainda mais expressiva: a vacinação contra a covid-19 caiu de 39,3% em 2024 para 29,6% em 2025, anulando o pequeno aumento observado entre 2023 (34,3%) e 2024. A vacinação contra a gripe, pelo contrário, mantém-se robusta nesta faixa etária: 41,6% em 2023, 53,9% em 2024 e 47,9% em 2025. Nos 60 a 69 anos, o cenário repete-se: 20,5% em 2023, 24,5% em 2024 e apenas 16,6% em 2025 para a covid-19, contra 24,2%, 33,8% e 28,4%, respectivamente, para a gripe.

Em síntese, em todos os grupos etários acima dos 60 anos, a covid-19 está em queda e a gripe em consolidação. A diferença torna-se mais nítida quando se observa o conjunto dos maiores de 65 anos: a cobertura da covid-19 desce de 38,5% em 2024 para 29,8% em 2025, enquanto a da gripe recua ligeiramente de 51,8% para 46,9%, mantendo uma margem confortável de 17 pontos percentuais. Nos maiores de 60 anos, por agora, apenas 26,1%, num total de 784 mil pessoas, decidiram tomar mais um reforço, enquanto para a gripe houve já quase 1,25 milhões, ou seja, 41,6% do total, que solicitaram a vacina contra a gripe.

Este distanciamento crescente pode ser quantificado através do chamado Índice de Paridade Vacinal (IPV) — um indicador que relaciona a taxa de vacinação contra a covid-19 com a da gripe. Quando o IPV é de 100, há paridade total; valores inferiores significam perda de adesão relativa à vacina da covid-19.

Com base nos dados oficiais, o PÁGINA UM calculou que, para o conjunto dos maiores de 60 anos, o IPV era de 83,9 em 2023, desceu para 74,0 em 2024 e caiu ainda mais em 2025, para 62,7. Em dois anos, a relação entre ambas as campanhas sofreu uma redução relativa de cerca de 25%. Entre os maiores de 80 anos, a quebra é ainda mais acentuada: o IPV passou de 85,0 em 2023 para 68,1 em 2025, um colapso de quase vinte pontos.

Na prática, isto significa que, por cada 100 pessoas idosas vacinadas contra a gripe em 2025, apenas 63 quiseram receber a vacina da covid-19. Há dois anos, esse número era de 85. A curva descendente do IPV traduz o afastamento progressivo das populações idosas em relação à vacina pandémica e a reaproximação à vacinação tradicional centrada na gripe sazonal.

a man holding his hand up in front of his face

Do ponto de vista comportamental, o fenómeno explica-se por três factores principais. Primeiro, a mudança na percepção do risco: a covid-19 deixou de ser encarada como uma ameaça grave. Segundo, a fadiga vacinal, provocada por campanhas repetitivas e sucessivas doses que geraram saturação e sensação de inutilidade. Terceiro, a reputação diferenciada das vacinas: a da gripe é antiga, previsível e segura; a da covid-19 permanece associada a polémica e desconfiança.

A interpretação epidemiológica reforça esta leitura: a adesão à vacina da gripe mantém-se porque é vista como medida regular de prevenção, enquanto a da covid-19 é cada vez mais rejeitada por ter perdido função simbólica e relevância prática. A política de reforços anuais deixou de convencer, sobretudo quando a doença se tornou marginal e de impacto clínico limitado.

A análise do PÁGINA UM permite, assim, concluir que a normalização pós-pandémica está consolidada entre os mais velhos. As campanhas de vacinação contra a covid-19 entraram em declínio estrutural e a adesão caiu para níveis residuais. A confiança médica e institucional regressou à esfera conhecida da gripe, onde a relação entre risco e benefício é compreendida e socialmente aceite.

two people sitting on pavement facing on body of water

Em termos sociológicos, este abandono progressivo da vacinação contra a covid-19 simboliza o fim do ciclo pandémico. A população idosa, que em 2021 respondia em massa aos apelos do Estado, tornou-se hoje o grupo mais pragmático e autónomo: vacina-se contra o que conhece — a gripe — e ignora o que já não teme — a covid-19. O fim da pandemia, afinal, não foi decretado por lei, mas decidido pelas próprias pessoas.

Um dado curioso deste ano, associado à forte campanha publicitária e ao apoio de um lobby farmacêutico particularmente activo, é o da vacinação contra a gripe nos bebés entre os 6 e os 23 meses. Segundo a DGS, foram administradas apenas 22.770 doses, correspondendo a 17,5% do total, ou seja, menos de um em cada cinco bebés vacinados — um sinal de que, mesmo nas novas gerações, a adesão à vacina da gripe continua limitada, apesar da pressão institucional crescente.

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