FAMÍLIA BALSEMÃO E MFE CRIAM ALIANÇA PARA EVITAR OPA IMEDIATA
Entrada de Berlusconi na dona da SIC depende da ‘boa vontade’ dos reguladores

Não vai ser fácil o grupo MediaforEurope (MFE), da família Berlusconi, copiar em Portugal, com a Impresa, o mesmo modelo de controlo – por fases -, que aplicou na ProSiebenSat.1, uma empresa germânica cotada na Bolsa de Valores de Frankfurt. E por duas razões muito simples.
Por um lado, a legislação portuguesa exige um apertado controlo sobre a titularidade dos grupos de media, exigindo o conhecimento de acordos parassociais, que geralmente incluem compromissos de gestão e de aquisição futura. E sucede que se mostra evidente existir já uma concertação entre a MFE e a Impreger (controlada pela família Balsemão), até porque, conforme um comunicado aos investidores, a Impresa assume que o grupo italiano não ultrapassará os 33% de participação, através de um aumento de capital.

Por outro lado, havendo essa concertação – escrita ou não -, a CMVM pode considerar que estão preenchidos os pressupostos para a obrigatoriedade de um lançamento de um oferta pública de aquisição (OPA), por existir uma alteração substancial de controlo ou da estrutura accionista, exigindo assim um investimento imediato mais avultado por parte da MFE.. ↓
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Na Alemanha, o controlo da MFE na ProSiebenSat.1 iniciou-se de uma forma mais discreta em 2019 com uma posição minoritária e houve assim tempo para ‘analisar’ a empresa germânica antes da ‘tomada de assalto’ já este ano. Em Março passado, quando a MFE possuía perto de 30% na empresa alemã decidiu lançar então uma OPA para aumentar a sua posição e garantir o controlo efectivo, Com isso, em Agosto a MFE já detinha quase 44% da empresa alemã, agora já têm mais de 75%. No entanto, para tal, viu-se obrigada a ir reforçando o prémio para os investidores lhes venderem acções.
Tal como na Alemanha, em Portugal a MFE começará com a aquisição de uma posição minoritária na dona da SIC, e será previsível que a família Berlusconi jamais queira manter uma posição desta natureza sem se imiscuir na gestão quotidiana, ainda mais face à ausência de dividendos e elevado endividamento da Impresa sob omnipresente e omnipotente gestão da família Balsemão. O único mistério é saber quando a família Balsemão será ‘chutada’ do controlo efectivo da dona da SIC e Expresso, ou se Francisco Pedro Balsemão não passará apenas de um CEO decorativo. Ora, isso pode ficar expresso num acordo parassocial, que por regra é secreto, excepto se se tratar de uma empresa cotada e sobretudo de uma empresa do sector da comunicação social.

Por isso, em Portugal todas as fases da operação terão de passar pelo regulador dos media (ERC) e também pelo polícia da Bolsa (CMVM). A família Balsemão, que neste momento controla a Impresa através da Impreger (que detém 50,3% do grupo de media) terá de convencer sobretudo a CMVM de que não existe ainda um cenário de concertação para evitar o lançamento de uma OPA.
Em todo o caso, o adeus da família Balsemão à Impresa fica, para já, em standby, enquanto a MFE procurará ‘limpar’ o grupo do peso insustentável da dívida e dos encargos e prepará-lo para a fase seguinte, em que a SIC passará a receber ordens em italiano.
A Impresa anunciou na passada quarta-feira que, “apesar de os termos finais do acordo estarem ainda em discussão [com a MFE], esclarece-se que o objeto das negociações se limita, neste momento, à subscrição de uma participação minoritária, não superior a 33% do capital social, por entidade do grupo MFE, através de aumento de capital na Impresa”.
No mesmo comunicado feito aos investidores, a Impresa frisou que a concretização da operação estará dependente da análise da CMVM “de que a mesma não gera dever de lançamento de oferta pública de aquisição”.

Este comunicado surgiu depois de a CMVM ter decidido suspender a negociação em Bolsa das acções da Impresa, na passada sexta-feira, 31 de Outubro, a aguardar a divulgação pela Impresa de informação relevante. Mas a “informação relevante” saiu na imprensa económica na segunda-feira, antes do comunicado oficial divulgado no site do polícia da Bolsa. Segundo as notícias, a entrada da MFE na Impresa passará por um investimento de 20 a 40 milhões de euros, através de um aumento de capital. Mas numa segunda fase a MFE irá tomar o controlo da dona da SIC e do Expresso.
Já no comunicado que a Impresa fez em 28 de Setembro, referiu que nas negociações com a MFE não se encontrava “afastada a possibilidade da aquisição por este de uma participação relevante (direta ou indireta) para efeitos de controlo na Impresa”.
Ora, acontece que qualquer nova participação directa ou indirecta em grupos de comunicação social tem também de ser comunicada à ERC, mais concretamente no Portal da Transparência dos media, juntamente com os acordos parassociais.

A preparação da mudança de mãos da Impresa, com família Balsemão a perder o controlo do seu grupo, surge num contexto de fortes dificuldades financeiras que a dona da SIC atravessa. Recorde-se que o grupo falhou a venda do seu edifício-sede ao grupo BPI, em Julho passado.
Este negócio, anunciado em Junho, previa a entrada de 37 milhões de euros nos cofres da Impresa, que iriam aliviar os problemas de tesouraria do grupo. Uma parte desse montante, no valor de 14,9 milhões de euros, teria de ser usado na amortização antecipada do empréstimo contraído junto do Novo Banco, que foi contratado no final de 2022, quando a Impresa readquiriu o edifício-sede em segredo.
Com um prejuízo recorde de 66,2 milhões de euros em 2024 e um passivo global de 250 milhões — dos quais 150 milhões são empréstimos bancários —, a Impresa vive sob o peso de juros que ultrapassam um milhão de euros por mês. O seu negócio principal — a comunicação social — tem sustentado a estrutura financeira do grupo. Mas foi no imobiliário que tentou encontrar um inesperado maná: o edifício-sede, construído de raiz para alojar os canais da SIC e a redacção do Expresso, converteu-se numa fonte de lucros improváveis, através de três transacções consecutivas, num vaivém de vendas e recompras.

Os problemas do grupo estão, não no seu negócio ‘core’, mas ao nível da holding. A família Balsemão perdeu 90% do seu património mediático em 15 anos, segundo uma análise do PÁGINA UM. Mas a cúpula da família Balsemão não se tem saído mal em termos de vencimentos obtidos na Impresa: só na última década, contabilizam-se quase 6,6 milhões de euros apenas em salários e complemento de pensão do fundador do grupo, Francisco Pinto Balsemão, recentemente falecido. De fora, estão outros benefícios eventuais, incluindo viaturas e despesas diversas pagas pela Impresa.
Agora, há que aguardar pela chegada de informação concreta à CMVM para analisar a entrada da MFE na Impresa e dar assim o pontapé de saída para a mudança de controlo do grupo de media. Para já, a CMVM mantém-se ocupada com outros assuntos, até porque o regulador está a investigar as transacções realizadas na Euronext Lisboa em Setembro passado com acções da Impresa, antes da divulgação do interesse formal da MFE no grupo.