TAXI
O pop-rock dos anos 80 envelhece bem (como nós)

Há datas que não precisam de ser redondas para justificar uma celebração — basta que a memória colectiva dê sinal de vida. E no Coliseu dos Recreios, numa noite que começou às 22 horas como se Lisboa inteira ainda vivesse nos anos 80, os Táxi relembraram-nos os tempos em que o país ainda mal sabia o que era uma guitarra eléctrica, mas em que eles ousaram meter o pé no acelerador num veículo de pop adolescente, refrões de bolso e melodias que sobrevivem melhor ao tempo do que muitos blocos de apartamentos da Expo’98.
‘Páginas Amarelas’ abriu a noite, e não foi inocente: embora muitos jovens nem imaginem o que era isso, continua a ser uma metáfora actual e perfeita sobre a obsolescência, a irrelevância e aquele charme das coisas que já ninguém usa mas ninguém esquece. Seguiu-se ‘Cairo’ — a música-título do segundo álbum, que inovou em 1982 com uma capa de metal redondo —, numa versão mais madura, menos pop do que a original — e muito melhor.

Apesar de apenas João Grande (vocais) e Rui Taborda (baixo) se manterem da formação original — ou talvez por isso —, os Táxi entram na meia-idade (depois de longos períodos de baixa actividade) com muita dignidade. ↓
O jornalismo independente (só) depende dos leitores.
Não dependemos de grupos económicos nem do Estado. Não fazemos fretes. Fazemos jornalismo para os leitores, mas só sobreviveremos com o seu apoio financeiro.
João Grande, aos seus impressionantes 72 anos — impressionantes não pela aritmética, mas pela energia teimosamente juvenil —, tem a noção de já não estar nos anos 80 do século passado, mas soube adaptar a maturidade da sua voz à evolução musical dos tempos (e dos gostos) e aos novos integrantes, muito mais novos. No trio de ‘jovens’ destaca-se Sérgio Loura, um guitarrista de mãos cheias, bem secundado pelo outro guitarrista, Nelson Funky, e pelo baterista Hugo Drums.
Os arranjos actuais dos Táxi são mais densos, mais trabalhados, como se as canções tivessem deixado a rebeldia dos 20 para assumirem a elegância dos 50. ‘A Queda dos Anjos’ mostrou isso: continuamos todos a ‘ir à Roxete’, mesmo sem lembrar exactamente porquê — mas a nostalgia funciona assim, basta o refrão.



Ao longo de mais de duas horas de celebração — foi para isso, e por isso, que se encheu o Coliseu dos Recreios com 90% de pessoas da minha geração ou mais velhos —, houve também momentos de ternura sonora — ‘Sozinho’, esse slow do início dos anos 90 que fazia pares improvisarem namoros em discotecas e garagens — e momentos de arrojo eléctrico, como ‘Fio da Navalha’, que ao vivo continua a ser uma faca sem tampa.
Houve momentos mais ternurentos, como o da participação do Coro Juvenil Regina Coeli, no tema ‘Não sei sei sei’, E, um pouco mais, surgiu uma versão especial do ‘Meu Manequim’, com a batida pesada em dueto com Daniela Jesus (uma boa combinação), que mostrou que o álbum de estreia ainda tem músculo suficiente para aguentar qualquer palco contemporâneo.
Entre músicas, percebeu-se a maturidade de uma banda que não tenta reviver o passado: apresenta-o como se fosse presente. E o trio de metais foi disso um aprazível exemplo. O público — uma mistura sobretudo de cinquentões, sessentões e alguns jovens teimosos que descobriram que os pais até ouviam ‘coisas com piada’ — correspondeu com entusiasmo.

O Coliseu vibrou, cantou, saltou, e em certos momentos pareceu um regresso aos tempos em que as guitarras eram mais baratas do que os computadores e formar uma banda era um projecto tão legítimo como estudar engenharia. Só nos temas mais intimistas, apenas com guitarras acústicas, houve algum desfasamento da voz de João Grande — não sei se por falta de versatilidade da sua voz ou por questões técnicas. Não sendo dispensável, essa parte não acrescentou muito à festa.
Mas, como sempre, também aqui houve rituais sagrados, mal guardados. E os Táxi respeitaram-nos todos, excepto um: deixaram o maior sucesso para o encore. O público teve de esperar, suportar a ansiedade colectiva… para finalmente ouvir ‘Vida de Cão’. Muito bem recebida, claro — mas todos sabiam que ainda faltava a verdadeira estrela da noite.
Só depois, já no momento em que o Coliseu parecia pronto para explodir com a desfeita (que seria impossível), veio ‘Chiclete’. E aí não houve nostalgia possível: foi pura celebração, catarse pop-rock, coro de milhares, prova viva de que há canções que não envelhecem porque nunca pertenceram verdadeiramente ao tempo.

E quando já se esperava o fim — porque é belo encerrar com o clássico dos clássicos — eis que João Grande, teimoso como só os bons veteranos sabem ser, decide dar um segundo encore. Aos 72 anos, já depois de o meu telemóvel ter pifado a bateria. E ainda se predispôs, no fim, a dois dedos de conversa e fotografias.
Não fiquei para essa sessão extra, mas não fiquei imune à energia de João Grande. E assim, como sou coerente, vi-me forçado, com prazer, a ser justo: se há uns meses, aos Imagine Dragons, tirei 0,5 pontos por não darem encore, então os Táxi, que deram dois, merecem mais 0,5 pontos do que aquilo que lhes iria atribuir.
Nota final: 4,5 em 5