ADMINISTRAÇÃO CENTRAL DO SISTEMA DE SAÚDE TINHA MULTAS DIÁRIAS PROMETIDAS PELO TRIBUNAL
38.486.636 registos de internamentos hospitalares: o PÁGINA UM tem finalmente a base de dados que três Governos quiseram esconder

Ao fim de mais de três anos de litígio persistente, marcado por uma sentença e dois acórdãos não cumpridos, e que só terminou com a ameaça de uma multa diária de 70 euros aplicada directamente aos quatro membros do Conselho Directivo da Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS), o PÁGINA UM obteve finalmente acesso integral à mais completa base de dados de internamentos hospitalares alguma vez disponibilizada em Portugal.
São exactamente 38.486.636 registos, correspondentes a todos os internamentos hospitalares realizados entre 2000 e 2024, cobrindo um período de 25 anos que coincide com algumas das maiores transformações do Serviço Nacional de Saúde, desde a consolidação dos hospitais-empresa até às crises de capacidade hospitalar das últimas décadas, passando mesmo pela crise pandémica de 2020-2022.

A evolução destes registos conta, por si só, de uma forma muito breve, a história da pressão crescente sobre o sistema de saúde: no início dos anos 2000, o número anual de internamentos rondava ainda valores moderados, mas à medida que o país envelhecia, que novas tecnologias médicas se tornavam disponíveis e que várias patologias crónicas se expandiam silenciosamente, o volume anual de episódios nos hospitais públicos aumentou, estabilizou, voltou a subir e revelou oscilações significativas associadas a períodos de crise sanitária, reorganizações hospitalares e mudanças de financiamento. ↓
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Esta trajectória, até agora apenas perceptível através de relatórios opacos e estatísticas simplificadas, pode finalmente ser analisada em profundidade porque, pela primeira vez, estão acessíveis os microdados originais que sustentam — ou desmentem — as narrativas oficiais.
Cada um destes mais de 38 milhões de registos contém dezenas de variáveis clínicas e administrativas, num total de cerca de oito dezenas: o hospital de internamento, o sexo e idade do doente, o distrito e concelho de residência, a data de entrada e saída, o número total de dias de internamento, a passagem por diferentes serviços, as transferências entre unidades, o tipo de admissão, o motivo de transferência, a tipologia neonatal quando aplicável, a informação sobre cirurgia, bem como os códigos diagnósticos principais e secundários que compõem o coração dos Grupos de Diagnóstico Homogéneo (GDH), neste casos com largas subvariáveis.

São exactamente estes detalhes que tornam esta base de dados num instrumento único para avaliar, com rigor objectivo, o desempenho de cada hospital – e que constitui um dos maiores tabus do Serviço Nacional de Saúde, porque vai possibilitar saber se a probabilidade de sobrevivência depende da unidade de saúde –, a prevalência real das doenças por geografia, as desigualdades regionais e os padrões estruturais que a administração pública nunca permitiu escrutinar.
Durante anos, a ACSS recusou a entrega destes dados, alegando confidencialidade e complexidade técnica. Contudo, os tribunais foram categóricos: a informação é pública, e a sua divulgação, com anonimização assegurada, é não apenas legítima como indispensável à transparência.
O comportamento do organismo, arrastando durante três anos o cumprimento de uma decisão judicial, acabou por revelar o que sempre se suspeitou: os dados existem, mas o Estado não pretende que os cidadãos conheçam o detalhe da actividade hospitalar, porque quem controla os dados controla também a narrativa sobre o desempenho do sistema de saúde. O PÁGINA UM tem, aliás, conhecimento que esta base de dados não era sequer disponibilizada a investigadores académicos.

Agora, porém, essa opacidade caiu. E a dimensão da base de dados permitirá estudos e investigações sem precedentes: comparar taxas de letalidade ajustadas por idade e tipo de patologia; identificar hospitais com desempenhos anómalos; mapear o crescimento ou declínio de doenças em cada região; avaliar o impacto real das políticas públicas e das crises sanitárias; medir a evolução da capacidade hospitalar; reconhecer padrões de internamento em populações vulneráveis; e detectar variações inexplicáveis que apenas o acesso ao detalhe pode revelar. Pela primeira vez, será possível articular internamentos, mortalidade, capacidade instalada e respostas administrativas sem depender de relatórios sintetizados que ocultam mais do que esclarecem.
Dada a magnitude, relevância científica e inegável interesse jornalístico desta informação, o PÁGINA UM tentará criar uma equipa multidisciplinar, integrando jornalismo de investigação, estatística, saúde pública e análise de dados, para explorar todas as valências desta base de dados. O objectivo será produzir conhecimento público rigoroso, independente e verificável; identificar falhas estruturais; expor incoerências nas narrativas oficiais; e contribuir para um debate informado sobre o verdadeiro estado da saúde em Portugal.
Tendo consciência da complexidade da tarefa de analise desta base de dados, o PÁGINA UM candidatara-se em Agosto passado a um financiamento europeu dinamizado pelo Journalism Science Alliance, um programa liderado pela Universidade Nova de Lisboa e pelo European Journalism Centre, mas o projecto – em articulação com um investigador na área da Estatística da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa – não foi aprovado. E nem sequer houve uma grelha de classificação dos projectos, sabendo-se apenas que quatro foram portugueses. Sabe-se apenas que um dos júris é o português Miguel Castanho, bastante dinâmico na defesa da narrativa alarmista oficial da pandemia.

Destaque-se, aliás, que curiosamente, de acordo com a base de dados agora na posse do PÁGINA UM, o ano de 2020 – o primeiro da pandemia – foi aquele que registou o menor número de internamentos desde 2007, negando assim a tese de colapso hospitalar propalado naquele período. De facto, a base de dados contabiliza para 2020 um total de 1.457.906 registos, que confronta com 1.675.186 registos em 2019 e 1.633.912 registos em 2021. No ano passado (2024), a base de dados contem 1.817.078 registos, o valor mais elevado da série.
Esta base de dados, obtida apenas graças à insistência judicial e à recusa em aceitar o silêncio administrativo como resposta, será trabalhada até ao seu limite analítico. O país tem o direito de saber como funcionam os seus hospitais, que doenças o afectam, onde estão as fragilidades estruturais e como evoluiu o sistema ao longo de mais de duas décadas. O PÁGINA UM assumirá essa missão com a mesma determinação que permitiu, contra todas as barreiras do Estado, romper o muro de opacidade que escondia o maior repositório sanitário alguma vez conhecido em Portugal.