SOCIEDADE DE ADVOGADOS DE JOSÉ LUÍS ARNAUT DÁ 'GUARIDA' ÀS SUBSIDIÁRIAS DA GIGANTE BRITISH PETROLEUM (BP))
Projecto solar SOPHIA: as sete empresas promotoras têm sede no escritório do ‘cardeal do PSD’
A gigante petrolífera British Petroleum (BP), através da sua subsidiária Lightsource Renewable Energy, montou em Portugal uma arquitectura societária assente na criação de uma série de seis sociedades unipessoais por quotas, cinco das quais designadas Special Purpose Vehicles (SPV) — todas sediadas no mesmo endereço em Lisboa: o número 50 da Rua Castilho.
O caso poderia configurar uma banalidade não fosse este endereço coincidir com a sede de um dos mais influentes escritórios de advogados do país, a CSM Portugal, cujo fundador e sócio-gerente é José Luís Arnaut, ex-ministro dos Governos de Durão Barroso e Santana Lopes, e uma das “eminências pardas” do PSD, além de acumular vários cargos empresariais, o mais relevante dos quais a presidência do conselho de administração da ANA – Aeroportos de Portugal.

É a partir desta base jurídica, sem sede própria, que a BP está a avançar em Portugal, depois de ter comprado, em 2020, a Compatible Opportunity — uma empresa que tinha como sócio um dos filhos de Luís Marques Mendes, candidato à Presidência da República —, com o polémico projecto fotovoltaico Sophia, que pretende ocupar cerca de 400 hectares em diversas freguesias dos municípios de Idanha-a-Nova, Penamacor e Fundão, alvo de forte contestação local e ambiental. No entanto, formalmente, quem promove o projecto é a Coloursflow, uma empresa-filha da Lightsource, com apenas 1 euro de capital social, criada em 2021. ↓
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De acordo com a investigação do PÁGINA UM, entre Agosto de 2024 e Novembro deste ano foram constituídas, para já, cinco sociedades com designações sequenciais — LSBP Portugal SPV 1, LSBP Portugal SPV 2, LSBP Portugal SPV 3, LSBP Portugal SPV 4 e LSBP Portugal SPV 5, todas com um capital social de apenas 1 euro, todas com sede no escritório de Arnaut e todas detidas a 100% pela Lightsource Renewable Energy Portugal, que tem sede desde Novembro de 2023 no número 50 da Rua Castilho, em Lisboa.
Todas estas empresas-filhas da gigante BP partilham igualmente objectos sociais extensíssimos, redigidos de forma quase idêntica, abrangendo desde o planeamento, licenciamento e construção de centrais electroprodutoras até à exploração, manutenção, armazenamento de energia e prestação de serviços de consultoria técnica.

Esta multiplicação de sociedades não é um acaso nem um capricho administrativo: visa proteger a BP do ponto de vista financeiro e dificultar a contestação ao projecto. Com efeito, a opção da subsidiária pelas SPV, com capitais próprios iniciais simbólicos (1 euro, o mínimo permitido pela lei portuguesa), é um modelo clássico de fragmentação jurídica do risco, amplamente utilizado em grandes projectos de energia renovável, sobretudo quando envolvem investimento estrangeiro, financiamento bancário estruturado e elevada probabilidade de litigância.
Cada SPV corresponde, na prática, a um activo ou subprojecto específico, permitindo que eventuais impugnações administrativas, providências cautelares ou pedidos indemnizatórios fiquem confinados a uma entidade sem património relevante, sem trabalhadores e sem autonomia económica real.
Do ponto de vista formal, o esquema é legal. Do ponto de vista material, levanta questões sérias de interesse público. Todas estas sociedades têm capital social meramente simbólico, inexistente capacidade financeira própria e uma gerência que se repete: o gestor português Miguel Lopes Lobo surge como gerente em todas as SPV, acompanhado, nalguns casos, por administradores estrangeiros residentes no Reino Unido. A titularidade última permanece sempre fora de Portugal, numa holding britânica, o que dificulta a responsabilização efectiva em caso de danos ambientais, patrimoniais ou sociais.

A escolha de um escritório de advogados politicamente influente como sede comum das SPV não é um detalhe irrelevante: é ali que se centraliza o controlo jurídico, o relacionamento com a Administração Pública e a gestão estratégica do risco regulatório. Em projectos contestados, esta proximidade aos centros de decisão política e administrativa funciona como uma almofada institucional, reduzindo a exposição directa do investidor e transferindo para as comunidades locais e para o Estado o ónus do conflito.
Importa sublinhar que nenhuma destas sociedades existe para produzir energia por si mesma no curto prazo. Para já, e enquanto decorre a avaliação de impacte ambiental, as SPV existem para deter licenças, direitos de superfície, autorizações administrativas e projectos, que são activos susceptíveis de ser posteriormente vendidos, fundidos ou transferidos sem que a empresa-mãe seja directamente afectada por litígios pendentes. Este constitui um modelo de “lucro global, risco local”, recorrente na indústria das renováveis, mas particularmente sensível quando aplicado a projectos de grande escala implantados em territórios com elevado valor ambiental ou cultural.
No caso do projecto Sophia, a proliferação de SPV cria uma névoa jurídica que dificulta o escrutínio democrático, porque não se sabe quem responde, afinal, perante os cidadãos. Será uma das SPV de um euro, a holding londrina ou mesmo a petrolífera multinacional em transição ambiental que, formalmente, nunca surge como requerente directa nos processos administrativos mais sensíveis?

O PÁGINA UM questionou José Luís Arnaut sobre o papel da sociedade de advogados CSM Portugal na assessoria jurídica à subsidiária da BP no desenvolvimento do projecto fotovoltaico Sophia. Em concreto, o jornal procurou esclarecer a natureza dessa assessoria, nomeadamente se se limita a matérias societárias e administrativas ou se inclui o acompanhamento estratégico do processo de licenciamento ambiental e energético do projecto, bem como se já foram realizados contactos formais ou informais com membros do Governo ou com organismos sob tutela do Ministério do Ambiente.
Não houve resposta.
O PÁGINA UM também questionou directamente a Lightsource Renewable Energy Portugal, que respondeu através da agência de comunicação JLM&A, pertencente a João Líbano Monteiro. A subsidiária da BP diz que a actividade em Portugal é, actualmente, “assegurada por cerca de 25 pessoas com vínculo laboral a termo incerto, em conjunto com os mais de 1000 colaboradores das equipas internacionais da Lightsource bp, e prestadores especializados contratados localmente”.
A empresa destaca ainda que a sede administrativa no escritório de Arnaut se deve “exclusivamente a razões operacionais e de conformidade, sendo indiferente ao acompanhamento dos projectos”, adiantando que “o relacionamento com entidades públicas decorre do diálogo institucional normal no âmbito do licenciamento, com respeito pelas regras aplicáveis”.

Quanto à razão da escolha da CSM, a empresa britânica refere que se deve ao facto de ser “um escritório de referência na área da energia e pela experiência da sócia coordenadora da área de energia, Dra. Mónica Carneiro Pacheco”, indicando ainda que a unidade de energias renováveis da BP “trabalha na área da energia com a CMS em vários países, por ser um escritório internacional”.
Em relação ao modelo escolhido de SPV — que vai aumentar a dificuldade nas previsíveis providências cautelares caso a Agência Portuguesa do Ambiente autorize o projecto —, a empresa recusa divulgar detalhes dos recursos alocados por cada uma destas sociedades ou discriminar investimentos por rubricas, alegando tratar-se de “informação interna e comercialmente sensível”. Garante, no entanto, que “o financiamento e a capacidade da Lightsource bp são suportados pela estrutura do grupo [BP], e as responsabilidades e garantias perante terceiros enquadram-se nas obrigações legais e no processo de licenciamento, não no valor nominal do capital social”.
