DIRECTORAS DO DIÁRIO DE NOTÍCIAS, JORNAL DE NOTÍCIAS E DINHEIRO VIVO ASSUMEM PARTICIPAÇÃO
50 mil euros: Global Notícias multada por publicidade encapotada ao tabaco
A Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) aplicou uma coima de 50 mil euros à Global Notícias, na sequência de um processo de contra-ordenação que concluiu pela prática reiterada de publicidade proibida a produtos do tabaco, sob a forma de conteúdos patrocinados apresentados como peças jornalísticas. A decisão foi tomada no passado dia 17 de Dezembro e resulta de factos ocorridos em 2022 nas publicações Jornal de Notícias, Diário de Notícias e Dinheiro Vivo. O primeiro destes diários pertence agora à empresa Notícias Ilimitadas.
Em causa estão quatro contra-ordenações muito graves, por violação da Lei do Tabaco, relativas à publicação de textos classificados como brand stories ou branded content que, segundo a ERC, tinham como efeito directo ou indirecto a promoção de cigarros electrónicos e de produtos de tabaco aquecido.

Os conteúdos, patrocinados por grandes empresas da indústria tabaqueira, apresentavam-se focados na inovação, sustentabilidade, ciência e redução de riscos, mas, para o regulador, configuraram comunicação comercial encapotada, proibida pela lei portuguesa. ↓
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Mas, porventura, o caso mais grave acaba por ser a assumpção, por parte das directores das publicações da Global Notícias, de que os conteúdos patrocinados foram elaborados por jornalistas ou tiveram a sua intervenção directa, uma situação de enorme gravidade por violar o Estatuto do Jornalista e colocar em causa a credibilidade e o rigor de toda a classe.
Na deliberação refere-se que “do depoimento prestado por Joana Petiz [actual directora do site noticioso Sapo] — que relatou factos do seu conhecimento directo por ter participado nos mesmos em virtude do exercício das suas funções, à data dos factos, na qualidade de directora da publicação periódica Dinheiro Vivo — decorre de modo evidente que a peça intitulada ‘Como a inovação está a ajudar a Philip Morris International a transformar o seu negócio’ […] foi efectivamente patrocinada, acrescentando que foi elaborada por jornalistas da redacção e que se tratou de uma peça centrada na inovação, sustentabilidade e mudança empresarial da empresa Philip Morris, ao invés do tabaco em si mesmo”.

No caso de Inês Cardoso, à data directora do Jornal de Notícias — e actualmente directora-geral da Notícias Ilimitadas —, a ERC salienta que “se trataram efectivamente de branded stories, ou seja, conteúdos patrocinados que não foram elaborados pela redacção, mas foram validados pela direcção do Jornal de Notícias antes da sua publicação”. Esta situação confirma que os directores de determinadas publicações jornalísticas estão em articulação activa com os departamentos de marketing e publicidade.
Na mesma linha esteve Rosália Amorim, então directora do Diário de Notícias — e hoje directora de marca da EY —, a tal ponto que a deliberação da ERC salienta que “de modo geral, resultou destes depoimentos a existência de empresas ou marcas que habitualmente patrocinam a divulgação de conteúdos nas publicações periódicas de que a Arguida [Global Notícias] é titular, o que evidencia a existência de uma relação comercial entre a Arguida e as entidades ou marcas que apoiam financeiramente a elaboração dos artigos em causa nos presentes autos, entidades essas que comercializam tabaco e/ou produtos de tabaco, nomeadamente cigarros electrónicos”.
E mais ainda, diz a ERC: “da conjugação dos depoimentos acima referidos, com o teor da prova documental junta aos autos, à luz de regras de experiência comum, conclui-se que os colaboradores da Arguida [leia-se, directoras do Dinheiro Vivo, Jornal de Notícias e Diário de Notícias] sabiam desta prática, atenta a utilidade da mesma para as sociedades envolvidas, revelando uma actuação consciente e orientada para a prossecução de interesses próprios, concretizados através da publicação de artigos de carácter promocional mediante contrapartidas financeiras”.
A coima aplicada foi, porém, determinada apenas pela violação da Lei do Tabaco. A ERC considerou provado que os artigos promoveram uma imagem positiva das marcas e dos seus produtos, enfatizando alegados benefícios face ao tabaco de combustão, sem contraditório nem escrutínio editorial, e com omissão sistemática dos riscos associados.

Em vários casos, sublinha a deliberação, os textos reproduziram declarações de responsáveis das empresas patrocinadoras, enquadrando os cigarros electrónicos como instrumentos de saúde pública ou como alternativas “menos nocivas”, narrativa que o regulador entende ser intrinsecamente promocional.
Na fundamentação, o regulador rejeitou os argumentos da defesa da empresa, que alegava tratar-se de conteúdos informativos e a inexistência de dolo. Pelo contrário, conclui que a arguida actuou de forma livre, consciente e deliberada, com conhecimento da ilicitude da sua conduta, sublinhando que se trata de uma empresa jornalística experiente, sujeita a um regime legal claro e intensamente regulado.
A deliberação assinala ainda que houve benefício económico directo para a empresa, decorrente da prestação de serviços de publicação de conteúdos patrocinados, mas aparentemente não se interessou em apurar os montantes recebidos pela Global Notícias para colocar os textos a promoverem sobretudo o tabaco aquecido e a fazer ‘whitewashing”, ou seja, lavagem reputacional.

A coima agora aplicada, que poderá ser contestada em tribunal, enquadra-se na moldura prevista para grandes empresas, podendo ir até 90 mil euros por contra-ordenação muito grave. A ERC fixou o valor global em 50 mil euros, afastando a atenuação especial da coima, por não ter identificado circunstâncias que diminuíssem de forma relevante a ilicitude ou a culpa. Pelo contrário, a deliberação refere a existência de antecedentes contra-ordenacionais da empresa e a ausência de arrependimento.
Este caso reabre o debate sobre os limites do branded content na imprensa e sobre a permeabilidade de órgãos de comunicação social a estratégias de marketing de sectores cuja publicidade é legalmente proibida, como o do tabaco — mesmo quando essa promoção se apresenta revestida de linguagem científica, ambiental ou de responsabilidade social.
