EDITORIAL
Filipe Alves: as evidências, o choradinho e a ‘bolha’
Antes da publicação da notícia desta sexta-feira sobre os negócios do director do Diário de Notícias (e da sua mulher, também jornalista), e perante um conjunto de questões objectivas — catorze, para sermos exactos — colocadas sobre duas sociedades comerciais que detém, os respectivos objectos sociais e factos públicos documentalmente indiscutíveis, Filipe Alves optou por não responder.
Em vez disso, escolheu agora o conforto previsível de um post no Facebook [ver texto em baixo], dirigido aos amigos, simpatizantes e à bolha social que o rodeia. A opção é legítima, mas reveladora. Um jornalista, director de um diário vetusto, que reage a notícias factuais não com respostas formais, documentadas e verificáveis, mas com uma publicação numa rede social tantas vezes diabolizada pela própria imprensa mainstream, oferece ao leitor uma ironia difícil de superar.

O post em causa não responde às perguntas que importam. Não desmonta a investigação. Não corrige dados. Não apresenta documentos. Limita-se a um exercício clássico de controlo de danos, cuidadosamente redigido para criar a ilusão de esclarecimento sem nunca tocar no núcleo duro da notícia. ↓
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Filipe Alves não nega a existência das empresas, não nega a identidade dos sócios, não nega o objecto social registado em sede comercial e não nega a ausência de contas entregues nos prazos legalmente exigidos. Contorna esta última matéria com a fórmula vaga de que “tem cumprido as suas obrigações”, expressão que nada prova, nada demonstra e nada substitui em termos jurídicos. Em suma, responde ao enquadramento, mas foge sistematicamente aos factos documentais.

É também ao nível da lógica que o texto escorrega. A invocação de “actividade suspensa em sede de IVA”, não provada porque nem sequer há contas, surge como se fosse um salvo-conduto universal. Não é. A suspensão de actividade para efeitos de IVA não equivale à inexistência de actividade societária, não extingue deveres legais e não elimina obrigações declarativas, designadamente a entrega de contas, a submissão da IES, o cumprimento do dever de transparência e, sobretudo, a análise de eventuais incompatibilidades à luz do Estatuto do Jornalista.
Dizer que uma empresa “não facturou” é irrelevante se não responder à pergunta certa: a empresa existe, tem um objecto social compatível com o exercício da profissão e cumpriu, ou não, todos os deveres declarativos que a lei impõe? E se não facturou, então qual a razão da sua existência? Qual a razão para não apresentar, em todo o caso, as demonstrações financeiras que provam essa alegada ausência de facturação?
O mesmo se aplica à afirmação de que “não temos uma agência de publicidade”. Trata-se de um argumento retórico, não jurídico. O que releva não é o rótulo auto-atribuído numa rede social, mas o objecto social formalmente registado. Se esse objecto inclui promoção, publicidade ou actividades conexas, a eventual incompatibilidade não desaparece por decreto pessoal nem por proclamação no Facebook. O direito comercial e o direito profissional não funcionam por intenções declaradas, mas por registos, actos formais e deveres legais.

Mais do que esclarecer, o post revela uma estratégia comunicacional precisa. A introdução da “família” funciona como escudo simbólico, numa tentativa clara de deslocar o debate do plano factual e jurídico para o plano moral e emocional. Mas afinal, a ‘família’ de Filipe Alves visada na notícia do PÁGINA UM é somente ele próprio, jornalista e director do Diário de Notícias, e a sua mulher, que surge aqui não por ser a sua mulher, mas sim por ser também jornalista e directora de informação da Record TV. O recurso a um alegado ataque à ‘família’ é um argumento ridículo e patético.
O uso de aspas na palavra “notícia”, no seu post, visa deslegitimar o meio, não os dados. Filipe Alves ainda não se apercebeu do seu triste currículo e do seu triste posto.
Por fim, o fecho do seu post com a expressão “assuntos (e pessoas) que não interessam” é típico de quem sabe que o tema interessa, incomoda e está longe de estar encerrado. Isto não é comunicação de tranquilidade; é comunicação de irritação controlada.

Do ponto de vista jornalístico e jurídico, o efeito é o oposto do pretendido. O post não enfraquece a notícia do PÁGINA UM. Pelo contrário, confirma implícita e explicitamente os seus elementos essenciais, reconhece a existência das sociedades e não desmonta, por qualquer via séria, a qualificação de interesse público da investigação.
Se a situação dos jornalistas Filipe Alves e Liliana Gomes fosse tão linear como o director do Diário de Notícias pretende fazer crer, bastaria uma resposta seca, factual e documentada: as contas foram entregues em data X, o objecto social é Y, não existe qualquer incompatibilidade nos termos do artigo Z do Estatuto do Jornalista. Não foi isso que aconteceu. E, em jornalismo, aquilo que não se responde diz muitas vezes mais do que aquilo que se escreve.
