EDITORIAL

Filipe Alves: as evidências, o choradinho e a ‘bolha’


Antes da publicação da notícia desta sexta-feira sobre os negócios do director do Diário de Notícias (e da sua mulher, também jornalista), e perante um conjunto de questões objectivas — catorze, para sermos exactos — colocadas sobre duas sociedades comerciais que detém, os respectivos objectos sociais e factos públicos documentalmente indiscutíveis, Filipe Alves optou por não responder.

Em vez disso, escolheu agora o conforto previsível de um post no Facebook [ver texto em baixo], dirigido aos amigos, simpatizantes e à bolha social que o rodeia. A opção é legítima, mas reveladora. Um jornalista, director de um diário vetusto, que reage a notícias factuais não com respostas formais, documentadas e verificáveis, mas com uma publicação numa rede social tantas vezes diabolizada pela própria imprensa mainstream, oferece ao leitor uma ironia difícil de superar.

Post de Filipe Alves no Facebook publicado este sábado por volta das 16h00

O post em causa não responde às perguntas que importam. Não desmonta a investigação. Não corrige dados. Não apresenta documentos. Limita-se a um exercício clássico de controlo de danos, cuidadosamente redigido para criar a ilusão de esclarecimento sem nunca tocar no núcleo duro da notícia.

O jornalismo independente (só) depende dos leitores.

Não dependemos de grupos económicos nem do Estado. Não fazemos fretes. Fazemos jornalismo para os leitores, mas só sobreviveremos com o seu apoio financeiro.

Filipe Alves não nega a existência das empresas, não nega a identidade dos sócios, não nega o objecto social registado em sede comercial e não nega a ausência de contas entregues nos prazos legalmente exigidos. Contorna esta última matéria com a fórmula vaga de que “tem cumprido as suas obrigações”, expressão que nada prova, nada demonstra e nada substitui em termos jurídicos. Em suma, responde ao enquadramento, mas foge sistematicamente aos factos documentais.

Filipe Alves, director do Diário de Notícias e sócio-gerente da Parágrafo Mágico, que não apresentou contas de 2024.

É também ao nível da lógica que o texto escorrega. A invocação de “actividade suspensa em sede de IVA”, não provada porque nem sequer há contas, surge como se fosse um salvo-conduto universal. Não é. A suspensão de actividade para efeitos de IVA não equivale à inexistência de actividade societária, não extingue deveres legais e não elimina obrigações declarativas, designadamente a entrega de contas, a submissão da IES, o cumprimento do dever de transparência e, sobretudo, a análise de eventuais incompatibilidades à luz do Estatuto do Jornalista.

Dizer que uma empresa “não facturou” é irrelevante se não responder à pergunta certa: a empresa existe, tem um objecto social compatível com o exercício da profissão e cumpriu, ou não, todos os deveres declarativos que a lei impõe? E se não facturou, então qual a razão da sua existência? Qual a razão para não apresentar, em todo o caso, as demonstrações financeiras que provam essa alegada ausência de facturação?

O mesmo se aplica à afirmação de que “não temos uma agência de publicidade”. Trata-se de um argumento retórico, não jurídico. O que releva não é o rótulo auto-atribuído numa rede social, mas o objecto social formalmente registado. Se esse objecto inclui promoção, publicidade ou actividades conexas, a eventual incompatibilidade não desaparece por decreto pessoal nem por proclamação no Facebook. O direito comercial e o direito profissional não funcionam por intenções declaradas, mas por registos, actos formais e deveres legais.

Objecto social da Atlas Extrovertido, emprea que se encontra activa e a facturar, inclui “actividades de promoção e publicidade”, incompatíveis com o Estatuto do Jornalista. É uma evidência assumida pelos sócios (Filipe Alves e Liliana Gomes), únicos responsáveis pela elaboração do objecto social da empresa.

Mais do que esclarecer, o post revela uma estratégia comunicacional precisa. A introdução da “família” funciona como escudo simbólico, numa tentativa clara de deslocar o debate do plano factual e jurídico para o plano moral e emocional. Mas afinal, a ‘família’ de Filipe Alves visada na notícia do PÁGINA UM é somente ele próprio, jornalista e director do Diário de Notícias, e a sua mulher, que surge aqui não por ser a sua mulher, mas sim por ser também jornalista e directora de informação da Record TV. O recurso a um alegado ataque à ‘família’ é um argumento ridículo e patético.

O uso de aspas na palavra “notícia”, no seu post, visa deslegitimar o meio, não os dados. Filipe Alves ainda não se apercebeu do seu triste currículo e do seu triste posto.

Por fim, o fecho do seu post com a expressão “assuntos (e pessoas) que não interessam” é típico de quem sabe que o tema interessa, incomoda e está longe de estar encerrado. Isto não é comunicação de tranquilidade; é comunicação de irritação controlada.

Liliana Gomes, directora de informação da Record TV e sócia-gerente da Atlas Extrovertido que tem a promoção e a publicidades como actividades do objecto social.

Do ponto de vista jornalístico e jurídico, o efeito é o oposto do pretendido. O post não enfraquece a notícia do PÁGINA UM. Pelo contrário, confirma implícita e explicitamente os seus elementos essenciais, reconhece a existência das sociedades e não desmonta, por qualquer via séria, a qualificação de interesse público da investigação.

Se a situação dos jornalistas Filipe Alves e Liliana Gomes fosse tão linear como o director do Diário de Notícias pretende fazer crer, bastaria uma resposta seca, factual e documentada: as contas foram entregues em data X, o objecto social é Y, não existe qualquer incompatibilidade nos termos do artigo Z do Estatuto do Jornalista. Não foi isso que aconteceu. E, em jornalismo, aquilo que não se responde diz muitas vezes mais do que aquilo que se escreve.

Partilhe esta notícia nas redes sociais.