EDITORIAL DE PEDRO ALMEIDA VIEIRA
Portugal apaga o português na Expo 2025 Osaka: uma vergonha diplomática, um acto de ignorância desmedida

Na Exposição Universal de Osaka, em pleno 2025, sobre a qual hoje escrevi para falar dos gastos, fiquei estupefacto com uma constatação: o pavilhão de Portugal optou por apresentar-se ao mundo sem uma única mensagem em português. Nas projecções que “recebem” os visitantes, apenas se lêem mensagens em japonês e em inglês. Presumo que a palavra Portugal apareça como Portugal porque assim se escreve em inglês.
Esta aberração num projecto de quase 26 milhões de euros — que é o que custará aos cofres públicos a presença portuguesa em Osaka — não se trata de um lapso trivial. Trata-se de uma vergonha. Uma vergonha diplomática. Uma vergonha cultural. E, sobretudo, um acto de ignorância desmedida da Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal (AICEP) sobre a própria História de Portugal — precisamente no Japão, um país onde o português foi, durante décadas, a língua da diplomacia, da fé, do comércio e da ciência.
Ricardo Arroja e as “alminhas” da AICEP podem não saber da riqueza histórica entre Japão e Portugal, nem sempre pacífica quando mundos se contactam pela primeira vez. Mas, se tiveram mais de 13 milhões de euros para montar um edifício com 10 mil cordas, talvez por meia dúzia de patacas (não as de Macau, que isso é China) pudessem contratar um historiador.
Se tiveram 200 mil euros para contratar a Ernst & Young para lhes fazer a contabilidade, poderiam ter contratado a decência para lhes explicar que, quando se promove Portugal, só se promove com a língua portuguesa, porque, como escreveu bem Fernando Pessoa (ou Bernardo Soares), “minha pátria é a língua portuguesa”.
Num país que se envergonha pelo que faz no presente, parece agora querer vilipendiar o passado. Quer apagar da História Universal que o primeiro grande contacto da Europa com o Japão moderno foi feito por intermédio dos portugueses. Em 1543, três navegadores — António da Mota, António Peixoto e Francisco Zeimoto — ancoraram nas ilhas nipónicas, dando início a uma relação de trocas e fascínio mútuo que marcaria profundamente ambos os povos.

Fernão Mendes Pinto, na sua Peregrinação, misto de verdade e ficção, reclama para si um lugar nesse feito inaugural, descrevendo com minúcia a sua chegada ao Japão, o assombro dos locais perante as armas de fogo portuguesas e o espanto recíproco perante os costumes e a cultura. É dele um dos primeiros retratos europeus do Japão — colorido, cheio de admiração e revelador de um encontro entre civilizações.
Na sua narrativa, refere a entrega de espingardas a um senhor feudal japonês e o impacto profundo que esse gesto teve, ao ponto de modificar para sempre o modo como os japoneses concebiam a guerra. Mais do que uma crónica de aventuras, a Peregrinação de Fernão Mendes Pinto é um testemunho vivo da presença portuguesa no Japão do século XVI. E é, também, um monumento literário que dá voz à nossa língua nas lonjuras do Oriente.
Recorde-se ainda que Francisco Xavier, missionário jesuíta português, foi um dos primeiros evangelizadores do arquipélago. A cidade de Nagasáqui foi doada aos jesuítas portugueses. A primeira gramática da língua japonesa foi redigida por um português. A imprensa de tipos móveis foi introduzida por missionários portugueses. A língua portuguesa foi, até ao século XVII, o veículo oficial da comunicação dos japoneses com o mundo. Que país mais poderá reivindicar tal feito no Japão?
E como poderemos honrar, com esta postura, esse insigne vulto que foi Wenceslau de Moraes, que nos deixou um legado sobre o Japão em tantos escritos? Logo ele que, por lamentável ironia, até foi cônsul em Osaka…

E, no entanto, o Portugal de 2025 apresenta-se no Japão ignorando a sua própria língua — como se o português fosse um fardo do passado, um acessório irrelevante, uma relíquia a esconder. Como se a língua de Camões e de António Vieira, de Eça e de Pessoa, não merecesse aparecer agora num dos países que primeiro a escutaram no Extremo Oriente. Este apagamento não é casual. É sintoma de um Estado que já não se entende como Nação, que prefere o inglês da conveniência ao português da identidade.
Numa era em que o multiculturalismo é brandido como bandeira, Portugal é dos poucos países que insiste em esconder a sua Cultura para parecer moderno. Mas não há modernidade possível sem memória. E não há presença internacional digna quando se abdica da própria língua — sobretudo quando essa língua é um dos maiores legados da presença portuguesa no Japão.
O pavilhão português em Osaka já não é apenas um edifício; é uma metáfora da forma como o Estado português se vê a si mesmo: envergonhado da História, ignorante do seu papel no Mundo, submisso aos ditames de uma comunicação global onde tudo se quer nivelado, uniformizado, sem raízes.





Não sou dado a sentimentalismos patrioteiros nem a arroubos diplomáticos, e muito menos me comovem cortejos de bandeiras ou salamaleques culturais. A minha pátria — como bem disse Pessoa — continuará a ser a língua portuguesa. Não me indigno demasiado com quem tropeça no português por ignorância — isso tem cura. Mas o que já me enoja é a opção consciente de apagamento da língua que nos define, como se se varresse Camões para debaixo de um tapete institucional ou se riscasse Pessoa das vitrinas da História.
Com a indiferença burocrática dos que não percebem que se pode vender um país em silêncio, bastando para isso omitir-lhe a fala, a AICEP não cometeu apenas um deslize administrativo — trata-se de um acto simbólico de rendição cultural. E a rendição, quando feita sem disparar um só alfabeto, é ainda mais vergonhosa — porque já nem é traição: é desistência.